Entendimento
É necessária a juntada do original do título de crédito a fim de aparelhar ação de busca e apreensão, ajuizada em virtude do inadimplemento de contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária.
Hipótese fática
As partes celebraram (pessoa física e instituição financeira) um contrato de financiamento (no valor de R$ 67.143,84) para a aquisição de um automóvel, na modalidade da alienação fiduciária em garantia (o próprio carro serve como garantia contratual), com a emissão de um título de crédito, uma cédula de crédito bancária (título regido pela Lei 10.931/2004). Sucedeu, então, o inadimplemento do contrato e o ajuizamento, por parte da instituição financeira, de uma ação de busca e apreensão, instruída com a cópia da cédula de crédito bancário.
O juiz de primeiro grau determinou a emenda da petição inicial, para que fosse juntado o original da cédula de crédito bancário. A providência não foi cumprida e a processo foi extinto sem resolução de mérito. O TJ/MA, porém, deu provimento à apelação, para determinar o prosseguimento do processo, ao argumento de que o original do título apenas seria necessário se se tratasse de uma ação de execução de título extrajudicial, e não de uma ação de busca e apreensão.
O caso chegou ao STJ por meio de recurso especial.
Fundamentos
O STJ começou por lembrar que, de fato, cuidando-se da ação de execução de título extrajudicial, o original do título de crédito já deve acompanhar a própria petição inicial.
A exigência decorre da natureza mesma desses títulos, os quais podem circular e eventualmente gerar uma cobrança em duplicidade. Daí a necessidade de que a via original esteja no processo, para evitar que uma outra ação de execução seja ajuizada para cobrar dívida já levada a juízo (caso se admitisse o uso de cópia).
Apenas excepcionalmente é que a execução por título extrajudicial pode ser instruída com a cópia do título, quando não houver dúvida da existência do débito e quando comprovado que o título não circulou.
Relativamente à cédula de crédito bancário, a própria Lei 10.931/2004 admite o endosso do título (ou seja, a possibilidade de circulação), de modo que se faz necessária, sim, a apresentação do original.
Depois, o STJ fez a interpretação do Decreto-Lei 911/69, que trata das regras processuais relativas à alienação fiduciária (espécie de contrato em alguém toma empréstimo para adquirir um bem, o qual serve de garantia para o pagamento da dívida; o devedor fica com a posse do bem e o credor fica com a sua propriedade, até que haja o completo pagamento da dívida, quando o devedor passa a ser o proprietário).
O Decreto-Lei 911/69 prevê duas ações em favor do credor: uma ação de busca e apreensão, em que se visa apreender o próprio bem (no caso um automóvel) dado em garantia da dívida ou uma ação de execução do título de crédito oriundo do contrato (ajuizada diretamente ou na hipótese de o bem, no caso da busca e apreensão, não ser encontrado). Essas ações não podem ser cumuladas; a parte autora deve optar por uma ou por outra.
O STJ entendeu, então, que, pelo fato de a ação de busca e apreensão poder ser convertida em uma ação de execução (exatamente quando o bem buscado não for encontrado ou não se achar na posse do devedor), o original do título de crédito (no caso, uma cédula de crédito bancário) precisa acompanhar a petição inicial.
Esse entendimento, porém, se aplica apenas às cédulas de crédito bancário emitidas anteriormente à edição da Lei 13.986/20, norma que modificou substancialmente a forma de emissão desses intrumetnos, passando a admitir que ele se dê pela via cartular ou escritural (eletrônica). A obrigatoriedade de juntada do título original aos autos da execução dependerá do suporte no qual ele estará inserido no momento de propositura da demanda executiva: i) sendo título de crédito de suporte cartular, faz-se necessária a juntada da cártula; ii) sendo título de crédito de suporte eletrônico, é desnecessária a juntada do original, pois todos os dados relativos ao título constarão do sistema eletrônico de escrituração.
Dispositivos
Código de Processo Civil
Art. 798. Ao propor a execução, incumbe ao exequente:
I - instruir a petição inicial com:
a) o título executivo extrajudicial; (...)
Decreto-Lei 911/69
Art. 3º O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário. (Redação dada pela Lei 13.043/2014)
Art. 4º Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, fica facultado ao credor requerer, nos mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva, na forma prevista no Capítulo II do Livro II da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. (Redação dada pela Lei 13.043/2014)
Art. 5º Se o credor preferir recorrer à ação executiva, direta ou a convertida na forma do art. 4o, ou, se for o caso ao executivo fiscal, serão penhorados, a critério do autor da ação, bens do devedor quantos bastem para assegurar a execução. (Redação dada pela Lei 13.043/2014)
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. INADIMPLEMENTO DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. DETERMINADA A EMENDA À INICIAL PARA A JUNTADA DO ORIGINAL DO TÍTULO. INÉRCIA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
1. Ação de busca e apreensão, tendo em vista o inadimplemento de contrato de financiamento para aquisição de veículo com garantia de alienação fiduciária.
2. Ação ajuizada em 19/01/2016. Recurso especial concluso ao gabinete em 29/06/2021. Julgamento: CPC/2015.
3. O propósito recursal é definir a necessidade de juntada do original do título de crédito a fim de aparelhar ação de busca e apreensão, ajuizada em virtude do inadimplemento de contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária.
4. A juntada da via original do título executivo extrajudicial é, em princípio, requisito essencial à formação válida do processo de execução, visando a assegurar a autenticidade da cártula apresentada e a afastar a hipótese de ter o título circulado, sendo, em regra, nula a execução fundada em cópias dos títulos.
5. A execução pode, excepcionalmente, ser instruída por cópia reprográfica do título extrajudicial em que fundamentada, prescindindo da apresentação do documento original, principalmente quando não há dúvida quanto à existência do título e do débito e quando comprovado que o mesmo não circulou.
6. O documento representativo do crédito líquido, certo e exigível é requisito indispensável não só para a execução propriamente dita, mas, também, para demandas nas quais a pretensão esteja amparada no referido instrumento representativo do crédito, mormente para a ação de busca e apreensão que, conforme regramento legal, pode ser convertida em ação de execução.
7. Por ser a cédula de crédito bancário dotada do atributo da circularidade, mediante endosso, conforme previsão do art. 29, § 1º, da Lei 10.931/04, a apresentação do documento original faz-se necessária ao aparelhamento da ação de busca e apreensão, se não comprovado pelas instâncias ordinárias que o título não circulou.
8. A parte recorrida, ademais, instada a promover a juntada do original do título, permaneceu-se inerte à determinação judicial, não apresentando justificava hábil a amparar a sua atitude de não apresentar a cédula de crédito bancário, motivo pelo qual mostra-se inviável afastar o indeferimento da petição inicial, com a consequente extinção do processo, sem resolução do mérito.
9. Ressalva-se que o referido entendimento é aplicável às hipóteses de emissão das CCBs em data anterior à vigência da Lei 13.986/20, tendo em vista que a referida legislação modificou substancialmente a forma de emissão destas cédulas, passando a admitir que a mesma se dê de forma cartular ou escritural (eletrônica). A partir de sua vigência, a apresentação da CCB original faz-se necessária ao aparelhamento da execução somente se o título exequendo for apresentado no formato cartular.
10. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp n. 1.946.423/MA, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 12/11/2021.)