Entendimento
Os efeitos da Lei 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada insculpido no art. 109, § 3º, da Constituição Federal, após as alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103/2019, aplicar-se-ão aos feitos ajuizados após 1º de janeiro de 2020. As ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas anteriormente a essa data, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo estadual, nos termos em que previsto na redação original do art. 109, § 3º, da Constituição Federal, e no art. 15, III, da Lei 5.010/66.
Hipótese fática
O caso trazia, na origem, conflito negativo de competência estabelecido entre o juízo de direito de Guaíba/RS (no exercício da jurisdição federal delegada) e o juízo federal da 21ª Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul (localizado em Porto Alegre/RS), relativamente ao julgamento de uma ação previdenciária ajuizada ainda no ano de 2019.
A controvérsia foi estabelecida por força da alteração do art. 15, III, da Lei 5.010/66 (na redação dada pela L. 13.876/2019), que passou a admitir a delegação da competência da Justiça Federal para a Justiça Estadual, no caso de ações previdenciárias, apenas nas hipóteses em que a Vara Federal mais próxima esteja situada a mais de 70km da Comarca de domicílio do segurado.
Fundamentos
A controvérsia decidida pelo STJ nesse Incidente de Assunção de Competência dizia respeito ao limite em que se dá a delegação de competência, da Justiça Federal para a Justiça Estadual, quando em jogo ações previdenciárias.
O problema surgiu a partir da nova redação do art. 15, III, da L. 5.010/66, que passou a estabelecer um condicionante relacionado à distância. Os dispositivos, tanto na sua redação original como na redação atribuída pela Lei 13.876/2019, estão assim:
Redação original
Art. 15. Nas Comarcas do interior onde não funcionar Vara da Justiça Federal (artigo 12), os Juízes Estaduais são competentes para processar e julgar:
III - os feitos ajuizados contra instituições previdenciárias por segurados ou beneficiários residentes na Comarca, que se referirem a benefícios de natureza pecuniária.
Redação atribuída pela Lei 13.876/2019
Art. 15. Quando a Comarca não for sede de Vara Federal, poderão ser processadas e julgadas na Justiça Estadual:
III - as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado e que se referirem a benefícios de natureza pecuniária, quando a Comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 km (setenta quilômetros) de Município sede de Vara Federal;
(...)
É evidente, por isso, que a delegação da competência para julgar ações previdenciárias não se faz pela simples ausência de Vara Federal no domicílio do autor; agora, é preciso que se verifique a inexistência de Vara Federal num raio de 70km, contados da Comarca de domicílio do autor, para aí sim se admitir a delegação da competência.
Mas, antes que esse novo art. 15, III, da L. 5.010/66 entrasse em vigor (ele entrou em vigor em 1º de janeiro de 2020, por força do art. 5º, I, da L. 13.879/2019), o próprio art. 109, § 3º, da CF teve a sua redação alterada:
Art. 109. (...)
§ 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal. (redação atribuída pela EC 103/2019, que entrou em vigor em 12/11/2019)
Ao fim, o STJ considerou que, diante da regra constitucional que autoriza a delegação da competência (da Justiça Federal para a Justiça Estadual) relativamente às ações previdenciárias, o art. 15, III, da L. 5.010/66 se apresenta válido.
A sua incidência, porém, com esse novo condicionante da distância de 70km, apenas vai se dar nas ações ajuizadas a partir de 1º de janeiro de 2020 (momento em que a nova redação do art. 15, III, da L. 5.010/66 entrou em vigor). As ações (em fase de conhecimento ou de execução) que, antes dessa data, já estavam tramitando na Justiça Estadual (por força da regra de delegação) seguem na própria Justiça Estadual.
Demais disso, não custa pontuar que a Súmula 689 do STF (que dá à parte a possibilidade de ajuizar a ação previdenciária na Vara Federal do seu domicílio no interior ou na Vara Federal da capital do Estado) continua válida e aplicável.
Dispositivos
Constituição Federal
Art. 109
(...)
§ 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal. (com a redação dada pela EC 103/2019)
Lei 5.010/66 (redação original)
Art. 15. Nas Comarcas do interior onde não funcionar Vara da Justiça Federal (artigo 12), os Juízes Estaduais são competentes para processar e julgar:
III - os feitos ajuizados contra instituições previdenciárias por segurados ou beneficiários residentes na Comarca, que se referirem a benefícios de natureza pecuniária. (redação original)
Lei 5.010/66 (redação atribuída pela Lei 13.876/2019)
(...)
Art. 15. Quando a Comarca não for sede de Vara Federal, poderão ser processadas e julgadas na Justiça Estadual:
III - as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado e que se referirem a benefícios de natureza pecuniária, quando a Comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 km (setenta quilômetros) de Município sede de Vara Federal; (redação atribuída pela Lei 13.876/2019)
(...)
STF, Súmula 689
O segurado pode ajuizar ação contra a instituição previdenciária perante o juízo federal do seu domicílio ou nas varas federais da Capital do Estado-Membro.
Ementa
INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA NOS AUTOS DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÕES DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIO, EXCETO AS DE ÍNDOLE ACIDENTÁRIA. JUÍZOS FEDERAL E ESTADUAL INVESTIDO NA JURISDIÇÃO DELEGADA. ART. 109, §3º, DA CF. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103/2019. LEI FEDERAL Nº 13.876/2019.
1- Trata-se de incidente de assunção de competência, instaurado com fulcro nos arts. 947, § 2º, do CPC/2015 e 271-B do RISTJ, que visa examinar o campo de vigência das alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103/2019 e pela Lei nº 13.876/2019 no instituto da competência delegada previsto no § 3º do artigo 109 da Constituição Federal de 1988.
2- O presente incidente foi proposto nos autos do conflito negativo de instaurado entre o Juízo Federal da 21ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul e o Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Guaíba/RS, em autos de ação previdenciária, ajuizada em 4/5/2018, por segurado em face do Instituto Nacional do Seguro Social, objetivando o restabelecimento de aposentadoria por invalidez com o adicional de grande invalidez.
3- A controvérsia em questão está afeta ao instituto da competência delegada conferida, pelo texto constitucional, à Justiça Estadual para o julgamento de causas envolvendo o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, as quais, dada a natureza jurídica envolvida e os interesses tutelados na lide, deveriam ser julgadas pela Justiça Federal.
4- É fato que os Juízes Estaduais, por determinação constitucional, recebem, excepcionalmente por delegação, e não por assunção, competência previdenciária de matéria federal. Tanto é assim que o art. 109, § 4º, da CF c/c 108, II da CF/88 traz clara previsão de que o recurso cabível contra decisão da Justiça Estadual será sempre encaminhado à jurisdição do Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau. Nesse sentido, CC 114.650/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 17/05/2011.
5- Outra importante observação, extraída de abalizada corrente de processualistas capitaneado por Dinamarco, está no fato de a hipótese tratar-se foros concorrentes, sendo de exclusivo arbítrio do autor a propositura de ação no local de sua preferência e sem possibilidade de a escolha ser impugnada pelo adversário.
Consequências dessa asserção:
5.1 Sendo a Justiça Federal organizada em Seções e Subseções, o Juiz Federal com competência incidente sobre o domicílio da parte - ainda que não haja uma sede de Vara Federal - terá competência originária para julgamento da causa. E caso essa localidade não seja sede de Vara Federal, o Juiz Estadual terá competência delegada para julgamento da causa, não cabendo, pois, ao INSS se insurgir contra a opção feita pelo autor da ação.
5.2 Haverá competência do Juízo Estadual somente quando não existir sede de Vara Federal na localidade em questão. Estar a comarca abrangida pela jurisdição de vara federal não é o mesmo que ser sede de vara federal. Sobre o ponto, nos autos do leading case CC 39.324/SP, Rel. Ministro Castro Meira, julgado em 24/09/2003, esta Corte firmou compreensão no sentido de que ulterior instalação de vara federal extingue a competência delegada.
6- A questão de direito a ser dirimida restou assim delimitada:
"Efeitos da Lei nº 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada". A propósito, cita-se a nova redação do dispositivo: " § 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal."
7- Tese da Associação Brasileira dos Advogados Previdenciários que na qualidade de amicus curiae, aponta a ocorrência de inconstitucionalidade à Lei nº 13.876/19 rejeitada. Conforme voto de Sua Excelência Ministra Maria Thereza de Assis Moura, proferido em procedimento administrativo no Conselho da Justiça Federal do SEI 0006509-2019.4.90.8000 e que deu origem à Resolução CJF 603/2019, enquanto tal argumento exige a ocorrência de modificação de competência absoluta prevista em norma constitucional originária; a hipótese encerra apenas a delimitação de seu alcance, permanecendo, pois, hígida, a jurisdição da Justiça Federal.
8- As alterações promovidas pela Lei nº 13.876/19 são aplicáveis aos processos ajuizados após a vacatio legis estabelecida pelo art. 5º, I. Os feitos em andamento, estejam eles ou não em fase de execução, até essa data, continuam sob a jurisdição em que estão, não havendo falar, pois, em perpetuação da jurisdição. Em consequência, permanecem hígidos os seguinte entendimentos jurisprudenciais em vigor: i) quando juiz estadual e juiz federal entram em conflito, a competência para apreciar o incidente é do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, d, in fine); ii) se o conflito se estabelece entre juiz estadual no exercício da jurisdição federal delegada e juiz federal, competente será o Tribunal Regional Federal.
9- Nos termos da Resolução 603/2019, CJF: i) definição de quais Comarcas da Justiça Estadual se enquadram no critério de distância retro referido caberá ao respectivo TRF (ex vi do art. 3º da Lei nº 13.876/2019), através de normativa própri; ii) por questão de organização judiciária, a delegação deve considerar as áreas territoriais dos respectivos TRFs. Consequentemente, à luz do art. 109, § 2º, da CF, o jurisdicionado não pode ajuizar ação na Justiça Federal de outro Estado não abrangido pela competência territorial do TRF com competência sobre seu domicílio. Ainda que haja vara federal em até 70km dali (porém na área de outro TRF ), "iii) observadas as regras estabelecidas pela Lei n. 13.876, de 20 de setembro de 2019, bem como por esta Resolução, os Tribunais Regionais Federais farão publicar, até o dia 15 de dezembro de 2019, lista das comarcas com competência federal delegada." e iv)"As ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas anteriormente a 1º de janeiro de 2020, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo estadual."
10- Tese a ser fixada no incidente de assunção de competência: "Os efeitos da Lei nº 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada insculpido no art, 109, § 3º, da Constituição Federal, após as alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103, de 12 de novembro de 2019, aplicar-se-ão aos feitos ajuizados após 1º de janeiro de 2020.
As ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas anteriormente a essa data, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo estadual, nos termos em que previsto pelo § 3º do art. 109 da Constituição Federal, pelo inciso III do art. 15 da Lei n. 5.010, de 30 de maio de 1965, em sua redação original."
11- Dispositivo: Como a ação fora ajuizada em 4/5/2018 deve ser reconhecida a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Guaíba - RS, o suscitado, para processar e julgar a ação.
(IAC no CC n. 170.051/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 21/10/2021, DJe de 4/11/2021.)