Anulação de anistia anteriormente concedida. Devido processo legal. Necessidade de dar ciência inequívoca ao interessando, reservando-se a notificação por edital a hipóteses restritas. STJ, Primeira Seção, MS 27.227.
Por Flávio Borges
10 de janeiro de 2023
Administrativo
Processo administrativo

Entendimento

Em processo administrativo, a notificação por edital reserva-se exclusivamente para as hipóteses de: a) interessado indeterminado; b) interessado desconhecido; ou, c) interessado com domicílio indefinido.

Hipótese fática

A Administração Pública Federal, por meio de ato praticado pela Ministra de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, anulou a anistia militar anteriormente concedida a Cleodon Xavier Gomes, o qual, insatisfeito com a postura adotada, impetrou mandado de segurança no STJ.

O impetrante alegou que a administração federal tentou fazer uma primeira notificação pelos Correios, enviando-a a um endereço situado em Parnamirim/RN, onde ele não mais residia. Tendo a notificação sido devolvida ao remetente, a administração tentou promover uma segunda comunicação a respeito da abertura do processo, agora na pessoa de sua procuradora, localizada em Brasília/DF. A notificação, porém, foi igualmente devolvida ao remetente, porque a procuradora também não foi encontrada. Diante disso, a administração pública, sem uma nova tentativa de promover uma notificação pessoal, publicou edital de intimação, e deu continuidade ao processo à revelia do impetrante.

Fundamentos

O STJ começou por lembrar a decisão do STF (RE 817.338, Tema 839) a respeito da possibilidade de se fazer a revisão da anistia concedida a militares, ato que, porém, deve se submeter ao devido processo legal.

Dentro desse devido processo legal, surge a necessidade de se proceder à intimação apta a gerar a certeza da ciência dos interessados, conforme expressamente pontuado pelo art. 26, § 3º, da L. 9.784/99.

A intimação por edital, então, deve ficar reservada às hipóteses de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido (art. 26, § 4º, da L. 9.784/99).

No caso julgado pelo STJ, a administração pública se limitou a fazer duas tentativas de notificações, ambas frustradas porque o interessado (ou o seu procurador) não foi encontrado nos endereços para onde remetidas as correspondências.

É verdade que o parecer emitido pelo MPF dentro desse MS 27.227 entendeu que a primeira intimação foi direcionada ao endereço que o próprio interessado forneceu no processo administrativo original (localizado em Parnamirim/RN), de modo que o argumento da nulidade da notificação revelaria um comportamento contraditório (venire contra factum proprium).

Não obstante, o STJ entendeu que era dever da administração pública, antes de partir para a intimação por edital, tentar encontrar o endereço correto do interessado, para assim promover a ciência efetiva a respeito dos atos do processo.

A intimação por edital (que é uma intimação ficta, que não gera ciência efetiva) apenas ganharia vez se, formuladas essas tentativas de intimação por meio idôneo, elas não se concretizassem.

Ao fim, o STJ reconheceu a nulidade do processo administrativo que desfez a anistia militar do impetrante.

Dispositivos

Constituição Federal
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

Lei 9.784/99
Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.
§ 1º A intimação deverá conter:
I - identificação do intimado e nome do órgão ou entidade administrativa;
II - finalidade da intimação;
III - data, hora e local em que deve comparecer;
IV - se o intimado deve comparecer pessoalmente, ou fazer-se representar;
V - informação da continuidade do processo independentemente do seu comparecimento;
VI - indicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.
§ 2º A intimação observará a antecedência mínima de três dias úteis quanto à data de comparecimento.
§ 3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.
§ 4º No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial.

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Ementa

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL ADMINISTRATIVO. PROCESSO DE REVISÃO DE ANISTIA DE MILITAR. CABO DA AERONÁUTICA. MANDADO DE SEGURANÇA. ENUNCIADO APROVADO PELO STF EM REGIME DE REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 839. NOTIFICAÇÃO POR EDITAL. PREJUÍZO AO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. NULIDADE RECONHECIDA. ORDEM CONCEDIDA. RESTABELECIMENTO DA CONDIÇÃO DE ANISTIADO DO EX-MILITAR.
1. Caso em que se discute a validade de ato administrativo ministerial que determinou a anulação de anterior portaria, por meio da qual se havia declarado a condição de anistiado político do impetrante, ex-cabo da Aeronáutica.
2. Ao apreciar o Tema 839, com repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal aprovou o seguinte enunciado: "No exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria nº 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas".
3. A Administração Pública não é obrigada a revisar as anistias.
Porém, caso o faça, a revisão estará condicionada, dentre outras exigências, à observância de regular procedimento administrativo, em que sejam asseguradas ao administrado as garantias inerentes ao devido processo legal, como deflui, com primazia, do art. 5º, LIV, da Constituição Federal.
4. A validade do processo administrativo é constitucionalmente vinculada à rigorosa observação do princípio da ampla defesa "com os meios e recursos a ela inerentes". Inteligência do disposto no art. 5º, LV, da Carta Republicana. Ao disciplinar, no âmbito do processo administrativo, a incidência do princípio da ampla defesa e "dos meios e recursos a ela inerentes", o legislador ordinário positivou parâmetros mais precisos, cuidadosamente descritos no art. 2º, parágrafo único, da Lei do Processo Administrativo Federal - LPA (Lei n. 9.784/1999), os quais não foram fixados para conveniência, ou comodidade, da Administração. Antes, privilegiaram a garantia dos direitos dos administrados, razão pela qual a notificação que não chega ao conhecimento do cidadão intimado não cumpre, em linha de princípio, a sua função constitucionalmente prevista. Assim, a intimação por via postal só pode ser tida como meio idôneo se alcançar o fim a que se destina: dar, ao interessado, inequívoca ciência da decisão ou da efetivação de diligências (Lei n. 9.784/199, art. 26).
5. Nas hipóteses em que a tentativa de entrega da notificação pelos Correios é frustrada, cabe à Administração buscar outro meio idôneo para provar, nos autos, "a certeza da ciência do interessado", reservando-se a publicação oficial, nos termos da lei, tão somente às hipóteses de: a) interessado indeterminado; b) interessado desconhecido; ou c) interessado com domicílio indefinido.
6. Ordem concedida para para anular a notificação feita por edital, bem como todos os atos que lhe seguiram nos autos do processo administrativo correspondente.
(MS n. 27.227/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 27/10/2021, DJe de 9/11/2021.)

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Anulação de anistia anteriormente concedida. Devido processo legal. Necessidade de dar ciência inequívoca ao interessando, reservando-se a notificação por edital a hipóteses restritas. STJ, Primeira Seção, MS 27.227.