Entendimento
A menção a atos infracionais praticados pelo agente não consiste em fundamentação idônea para afastar a minorante/causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).
Hipótese fática
O juízo de primeiro grau, ao condenar o acusado pelo crime de tráfico de drogas (art. 33 da L. 11.343/2006), negou, na aplicação da pena, a incidência da causa de diminuição (minorante) do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, em razão do prévio cometimento de atos infracionais. Dada a sucessiva interposição de habeas corpus, o caso chegou ao STF, onde monocraticamente foi reconhecida a ilegalidade da aplicação da pena, com a determinação de incidência da minorante do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas.
O Ministério Público Federal, então, interpôs agravo regimental contra essa decisão monocrática.
Fundamentos
A controvérsia estabelecida girava em torno do alcance do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, assim colocado: “Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”
O ponto a ser elucidado, portanto, era saber se a expressão "não se dedique às atividades criminosas" abrangeria apenas os crimes propriamente ditos ou se aplicaria também aos atos infracionais (ligados a criança e a adolescentes e previstos na Lei 8.069/90 - ECA), isso para o fim de vedar a incidência da causa de diminuição de pena.
A Segunda Turma do STF entendeu que a prática de atos infracionais pretéritos não deve repercutir na dosimetria da reprimenda do agente, sob pena de subverter o sistema de proteção integral ao estigmatizar o adolescente como criminoso habitual, desrespeitando sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e sujeito de direito.
Para o Segunda Turma do STF, a impossibilidade de utilizar os atos infracionais cometidos como critério de vedação da diminuição de pena do crime de tráfico de droga “está em consonância com o sistema de proteção integral assegurado a crianças e adolescentes por nosso ordenamento jurídico (art. 227 da Constituição Federal; Estatuto da Criança e do Adolescente e Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança), que atribui corresponsabilidade à família, à sociedade e ao poder público na promoção e defesa de seus direitos fundamentais.”
Nessa linha, “o adolescente é sujeito de direito, destinatário de absoluta prioridade, cuja condição peculiar de pessoa em desenvolvimento deve ser respeitada. Sob essa ótica, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que as medidas aplicadas ao menor infrator são socioeducativas e objetivam a sua própria proteção. Ademais, não podemos olvidar que a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) identifica a “utilização, recrutamento e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de entorpecentes conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes” como uma das piores formas de trabalho infantil, junto ao abuso sexual e à escravidão.”
Dispositivos - Súmulas
Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas)
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (…)
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
IV - vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(...)
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Ementa
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ATOS INFRACIONAIS PRETÉRITOS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO APTA A NEGAR O REDUTOR DO AR. 33, §4º, DA LEI 11.343/2006. REGIME INICIAL FIXADO COM BASE NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ILEGALIDADE. ORDEM CONCEDIDA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. MANUTENÇÃO DO DECISIUM. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrático conduz à manutenção da decisão agravada. 2. A causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 é aplicada desde que o agente seja primário, possua bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. 3. Na linha dos precedentes desta Colenda Turma, a menção a atos infracionais praticados pelo agente não consiste fundamentação idônea para afastar a minorante em exame. Esse entendimento está em consonância com sistema de proteção integral assegurado a crianças e adolescentes por nosso ordenamento jurídico. 4. A teor das Súmulas 718 e 719/STF, figura-se inadmissível a fixação do regime inicial fechado com base em considerações abstratas acerca da gravidade do delito imputado. 5. Agravo regimental desprovido.
(HC 202574 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 17/08/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-185 DIVULG 15-09-2021 PUBLIC 16-09-2021)