Entendimento
É possível levar em conta a existência de ato(s) infracional(is) para o fim de comprovar a dedicação do réu a atividades criminosas e, por consequência, impedir a incidência da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), desde que por meio de fundamentação idônea que aponte a existência de circunstâncias excepcionais, nas quais se verifique a gravidade de atos pretéritos, devidamente documentados nos autos, bem como a razoável proximidade temporal de tais atos com o crime em apuração.
Hipótese fática
O Ministério Público do Estado de São Paulo interpôs embargos de divergência contra o acórdão proferido pela Sexta Turma do STJ no REsp 1.916.596, o qual entendeu que a prática anterior de atos infracionais não impede a incidência da minorante (causa de diminuição de pena) prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas (diminuição da pena de um sexto a dois terços). O MP/SP apontou divergência com acórdãos da Quinta Turma do STJ, que entendia que os atos infracionais podem impedir a incidência dessa minorante, uma vez que eles se enquadram na expressão "dedicação à atividade criminosa".
Fundamentos
A controvérsia estabelecida girava em torno do alcance do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, assim colocado: “Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”
O ponto a ser elucidado, portanto, era saber se a expressão "não se dedique às atividades criminosas" abrangeria apenas os crimes propriamente ditos (previstos na legislação penal geral e/ou extravagante) ou se aplicaria também aos atos infracionais (ligados a crianças e a adolescentes e previstos na Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente), isso para o fim de vedar a incidência da causa de diminuição de pena.
A Terceira Seção do STJ (que abrange a Quinta e a Sexta Turmas) entendeu que essa expressão (atividades criminosas) abrange, sim, os atos infracionais. A Corte considerou que não há uma diferença substancial entre ato infracional e crime, a não ser a idade de quem pratica o fato típico.
O STJ ainda pontuou que o objeto da norma é trazer um benefício àquele que acabou de se iniciar na atividade criminosa, para dar-lhe uma chance (diferentemente daquele que possui um passado ligado à prática de ilícitos, e que não merece a minorante). A Corte afirmou que o sentido dessa expressão “atividade criminosa” está mais ligado ao cometimento de ilícitos como gênero, dentro de uma vida contrária ao Direito, sem que se distinga, para esse fim, se o envolvimento decorreu de crimes (com maioridade penal) ou de atos infracionais (crianças e adolescentes).
De todo modo, o STJ considerou que esses atos infracionais prévios devem deter algumas características para o fim de impedirem a aplicação da minorante: 1) eles devem ser graves); 2) eles devem estar documentados no processo, não pairando dúvidas sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrência; e 3) eles devem ter sido cometidos em um intervalo não muito distante (intervalor entre o(s) ato(s) infracional(is) e o crime que deu origem ao processo no qual se discute a minorante).
Dispositivos Legais - Súmulas
Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas)
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (…)
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
IV - vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(...)
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Ementa
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. RECONHECIMENTO DA MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA LEI N. 11.343/2006. PLEITO DE AFASTAMENTO COM BASE EM ATOS INFRACIONAIS. PREVALECIMENTO DE ENTENDIMENTO INTERMEDIÁRIO. POSSIBILIDADE EM CIRCUNSTÂNCIAS EXCEPCIONAIS, DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS. RESSALVA DO ENTENDIMENTO DA RELATORA DESIGNADA PARA REDIGIR O ACÓRDÃO. TESE NÃO APLICADA AO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE DOS ATOS INFRACIONAIS PRETÉRITOS. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS HÁBEIS A RECOMENDAR A INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM, NO CASO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA CONHECIDOS E DESPROVIDOS.
1. Consoante o § 4.º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena diminuída, de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organização criminosa. Para que o agente possa ser beneficiado, é preciso preencher cumulativamente os requisitos.
2. Na esfera da Lei n. 8.069/1990, as medidas socioeducativas aplicadas em resposta a ato infracional cometido por adolescente possuem o objetivo de responsabilização quanto às consequências lesivas do ato, a integração social e garantia de seus direitos individuais e sociais, bem como a desaprovação da conduta infracional (art. 1.º, § 2.º, incisos I, II e III, da Lei n. 12.594/2012 - SINASE).
3. No entanto, apesar de a medida socieducativa, impositiva e preponderantemente pedagógica, possuir certa carga punitiva, certo é que não configura pena e, portanto, não induz reincidência nem maus antecedentes. Nessa medida, é incompatível considerar o registro de anterior ato infracional, na terceira fase da dosimetria da pena do crime de tráfico de drogas, como elemento caracterizador da dedicação do agente a atividades delituosas, obstando a minorante, equiparando a conduta a crime hediondo e recrudescendo a execução penal.
4. Vale dizer, o registro da prática de fato típico e antijurídico por adolescente (inimputável), que não comete crime nem recebe pena, atingida a maioridade penal, não pode ser utilizado como fundamento para se deduzir a dedicação a atividades criminosas, e produzir amplos efeitos desfavoráveis na dosimetria e execução da pena.
5. No caso concreto, foi tida por inidônea a fundamentação que fez alusão genérica ao histórico infracional para concluir pela comprovação da dedicação às atividades criminosas, sobretudo porque nenhum outro dado foi extraído do conjunto probatório para respaldar a conclusão de que os agentes vinham se dedicando à atividade criminosa, o que tampouco foi possível identificar a partir da quantidade não expressiva de entorpecente.
6. No entanto, prevaleceu, no âmbito da Terceira Seção, para fins de consolidação jurisprudencial e ressalvado o entendimento desta Relatora para o acórdão, entendimento intermediário no sentido de que o histórico infracional pode ser considerado para afastar a minorante prevista no art. 33, § 4.º, da Lei n. 11.343/2006, por meio de fundamentação idônea que aponte a existência de circunstâncias excepcionais, nas quais se verifique a gravidade de atos pretéritos, devidamente documentados nos autos, bem como a razoável proximidade temporal de tais atos com o crime em apuração.
7. Embargos de divergência conhecidos e desprovidos.
(EREsp 1916596/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Rel. p/ Acórdão Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/09/2021, DJe 04/10/2021)