Entendimento
Na Execução Fiscal, quando não incluídos como encargo na CDA, os honorários provisórios arbitrados no despacho do juiz que ordena a citação devem observar o percentual estabelecido no art. 827, e não as faixas do art. 85, § 3°, ambos do Código de Processo Civil/2015.
Hipótese fática
Em processo de execução fiscal ajuizado pelo Município de Goiânia contra um contribuinte, o TJ/GO entendeu que o juiz deve fixar, já no despacho inicial, honorários advocatícios na cifra de 10% do valor cobrado, na forma do art. 827 do CPC.
Contra esse acórdão o contribuinte interpôs recurso especial (e depois um agravo interno) para defender que a fixação dos honorários no despacho inicial da execução fiscal deveria seguir a regra do art. 85, § 3º, do CPC, que traz as faixas de valores para as causas em que a Fazenda Pública for parte (o que, no caso concreto, por certo levaria a um valor menor de honorários a serem pagos pelo contribuinte).
Fundamentos
A controvérsia decidida pelo STJ dizia respeito a um suposto conflito entre o art. 827 e o art. 85, § 3º, ambos do CPC, relativamente aos honorários advocatícios fixados no despacho inicial de um processo de execução fiscal (processo que é regido pela Lei 6.830/80 e que serve para a cobrança da dívida ativa tributária ou não tributária da Fazenda Pública).
Esse suposto conflito exigiu do STJ a definição de qual norma se apresenta com caráter especial: o art. 827 do CPC, que serve para as execuções por títulos executivos extrajudiciais, e que coloca o montante dos honorários em 10% do valor executado, ou a regra do art. 85, § 3º, do CPC, que é dirigido especificamente para a Fazenda Pública, com o estabelecimento de uma faixa gradativa de honorários, de acordo com o valor da condenação.
A Segunda Turma do STJ entendeu que o art. 827 do CPC deve ser visto como uma norma especial em relação ao art. 85, § 3º, do mesmo Código.
De fato, esse art. 827 do CPC traz o valor fixo dos honorários em 10% do valor da execução, mas autoriza que ele seja reduzido pela metade caso o executado, em 3 dias, pague integralmente a dívida. O STJ pontuou que essa fixação dos honorários no despacho inicial das execuções traduz os chamados honorários provisórios (na medida em que eles podem ser alterados de acordo com a postura do devedor; no cumprimento de sentença, pertinente aos títulos executivos judiciais, também há uma regra semelhante, mas que ainda vai além: autoriza a completa desconsideração dos honorários fixados no despacho inicial caso haja o pagamento integral da dívida, conforme o art. 523, § 1º, do CPC).
Então, diante dessa sistemática que permite a redução dos honorários na execução por título extrajudicial, o STJ considerou que a regra do art. 827 do CPC é especial em relação ao art. 85, § 3º, o qual, à sua vez, não trata dos honorários provisórios, mas dos definitivos (próprios, portanto, da fase de conhecimento, e não da execução).
Se não bastasse, a Primeira Turma do STJ possui precedente nesse exato sentido, afirmando que a regra do art. 827 do CPC é especial em relação à do art. 85, § 3º (AgInt no AgInt no REsp 1.912.918. DJe de 09/06/2021).
De todo modo, esse raciocínio apenas faz sentido se os honorários não forem incluídos na execução como um encargo ligado à Certidão de Dívida Ativa – ou seja, um valor previsto em lei que já serve como honorários e que, por isso, dispensa, na execução fiscal, a fixação dos honorários previstos no CPC. A incidência desses encargos da dívida ocorre, por exemplo, nas execuções fiscais movidas pela União, conforme prevê o Decreto-Lei 1.025/69.
Dispositivos
Código de Processo Civil
Art. 827. Ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários advocatícios de dez por cento, a serem pagos pelo executado.
§ 1º No caso de integral pagamento no prazo de 3 (três) dias, o valor dos honorários advocatícios será reduzido pela metade.
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
(...)
§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL. DESPACHO INICIAL. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INICIAIS. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ART. 827, § 1º, DO CPC/2015. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ANÁLISE PREJUDICADA.
1. Trata-se de Agravo Interno interposto contra decisão monocrática que conheceu do Agravo para conhecer parcialmente do Recurso Especial, somente com relação à preliminar de violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, e, nessa parte, negou-lhe provimento.
2. A agravante sustenta: "18. Inicialmente, conforme reconhecido na r. Decisão Agravada, 'a questão dos autos é saber se, na Execução Fiscal, a fixação de honorários no despacho do juiz que ordena a citação deve observar o percentual estabelecido no art. 827 ou as faixas do 85, § 3°, ambos do Código de Processo Civil/2015' (fls. e-STJ 274). 19. Na r. Decisão Agravada, prevaleceu o entendimento de que o artigo 827 do CPC é norma especial, pois o alcance do artigo 85 do CPC é restrito a processos de conhecimento, no qual é realizado um juízo equitativo - dentro de cada faixa - dos honorários de sucumbência conforme o trabalho desenvolvido pelo advogado, o que não ocorre nas execuções, em que o percentual de 10% (dez por cento) é fixo e independente de qualquer atuação. 20.
Contudo, data maxima venia, tal entendimento está dissociado da sistemática processual do ordenamento brasileiro, pois ignora que o artigo 827 do CPC não se aplica às causas em que a Fazenda Pública for parte, uma vez que existe NORMA ESPECIAL para esta situação, qual seja, o artigo 85, § 3º, do CPC" (fl. 293, e-STJ).
3. No que diz respeito à questão de fundo, a tese de violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, o Tribunal de origem explicitou as razões pelas quais entende que a hipótese comporta aplicação preferencial do art. 827, § 1º, do CPC/2015. A solução da lide, portanto, relaciona-se ao mérito, inexistindo defeito na fundamentação do julgado.
4. A discussão dos autos é saber se, na Execução Fiscal, quando não incluídos como encargo na CDA, os honorários provisórios arbitrados no despacho do juiz que ordena a citação devem observar o percentual estabelecido no art. 827 ou as faixas do art. 85, § 3°, todos do Código de Processo Civil/2015.
5. O Tribunal de origem consignou: "4.1 A Lei de Execução Fiscal, em seu artigo 1º, traz, expressamente, a possibilidade de aplicação subsidiária das normas expressas no Código de Processo Civil à cobrança da Dívida Ativa da Fazenda Pública. Confira-se: (...)
4.1.1 Diante deste cenário, segundo a previsão do artigo 827 do Código de Processo Civil/2015, o MM. Julgador, ao proferir despacho inicial, nos processos executivos, fixará, de plano, a verba honorária, no valor de 10% (dez por cento), a ser paga pela parte Executada. Aludido valor poderá, inclusive, ser reduzido pela metade, caso ocorra o pagamento integral do débito exequendo.
Veja-se: (...) 4.2 Nesses termos, considerando que o Código de Processo Civil elegeu os critérios objetivos, para a fixação da verba honorária, não se mostra plausível empreender interpretação extensiva, ou ampliativa, sob pena de aviltar-se o espírito da norma. (...) 4.4 Com efeito, não existe mais a possibilidade de o magistrado fixar a verba honorária 'initio litis' dos feitos executivos, por apreciação equitativa, quando a lei, expressamente, impõe a observância do valor de 10% (dez por cento) sobre o valor da execução. Com esteio nesse arcabouço técnico e jurisprudencial, é forçoso concluir que o decisum, ora recorrido, deve ser reformado.
(...) 6.1 Ante o exposto, CONHEÇO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO E LHE DOU PROVIMENTO, para reformar a decisão agravada, determinando a fixação dos honorários advocatícios, devidos pela Executada, em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, ressalvando a sua redução à metade, caso haja o pagamento da dívida reivindicada, no prazo previsto no §1º do art. 827 do NCPC/2015" (fls. 70-72, e-STJ).
6. O CPC/2015, nos arts. 523, § 1º, e 827, prevê o pagamento de honorários tanto na fase de cumprimento de sentença como no processo de execução, estabelecendo, em ambos os casos, o percentual fixo de 10% (dez por cento).
7. Também em ambos os casos, o Código concede benefício ao devedor que satisfizer o crédito exequendo voluntariamente. No cumprimento de sentença, os honorários só serão devidos se não houver pagamento no prazo de quinze dias contados da intimação para pagamento voluntário (art. 523, caput e § 1º). E, no processo de execução, embora no mandado citatório seja fixada ab initio a verba honorária, "[n]o caso de integral pagamento no prazo de 3 (três) dias, o valor dos honorários advocatícios será reduzido pela metade" (art. 827, § 1º).
8. Como se vê, se a verba honorária na fase de conhecimento está condicionada ao trabalho que se exigiu do advogado (art. 85, § 2º) e, mesmo nas causas em que a Fazenda Pública for parte, tem quantificação variável (art. 85, § 3º), nos procedimentos executivos o percentual de 10% (dez por cento) é dado pela lei, sendo "ilegal o juiz fixar percentual inferior ou superior" (ASSIS, Araken de.
Manual da Execução. 20 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 805). A exclusão dessa verba (art. 523, caput e § 1º) ou sua redução à metade (art. 827, § 1º) condicionam-se única e exclusivamente ao comportamento do devedor.
9. A norma especial, no caso, não é o § 3º do art. 85, que versa sobre honorários definitivos na fase de conhecimento, mas o art. 827, que, compondo a sistemática legal dos honorários provisórios nos procedimentos executivos, "concede ao executado um estímulo para que satisfaça o mais rapidamente possível a execução" (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim... [et al.], 2. ed. São Paulo: RT, 2016, p.
1.298). A regra do art. 85, § 3º, somente poderia ser considerada especial em relação ao art. 827 se disciplinasse concretamente os honorários provisórios.
10. Não merece, pois, reparo o acórdão recorrido, que está em consonância com a jurisprudência do STJ, inclusive desta Segunda Turma. Precedentes: AREsp 1.798.708/GO, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 10.8.2021; AgInt no AgInt no REsp 1.912.918/GO, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 9.6.2021; AREsp 1.720.769/GO, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 19.4.2021.
11. Ademais, fica prejudicada a análise da divergência jurisprudencial quando a tese sustentada já foi afastada no exame do Recurso Especial pela alínea "a" do permissivo constitucional.
12. Agravo Interno não provido.
(AgInt no AREsp 1738784/GO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 05/11/2021)