Direito Processual Civil. Fixação dos honorários arbitrados no despacho inicial da execução fiscal. Regra do art. 827 do CPC (execução por título extrajudicial). STJ, Segunda Turma, AgInt no AREsp 1.738.784.
Por Flávio Borges
15 de abril de 2022
Processo civil
Cumprimento de sentença e execução
Honorários advocatícios e despesas processuais

Entendimento

Na Execução Fiscal, quando não incluídos como encargo na CDA, os honorários provisórios arbitrados no despacho do juiz que ordena a citação devem observar o percentual estabelecido no art. 827, e não as faixas do art. 85, § 3°, ambos do Código de Processo Civil/2015.
 

Hipótese fática

Em processo de execução fiscal ajuizado pelo Município de Goiânia contra um contribuinte, o TJ/GO entendeu que o juiz deve fixar, já no despacho inicial, honorários advocatícios na cifra de 10% do valor cobrado, na forma do art. 827 do CPC.

Contra esse acórdão o contribuinte interpôs recurso especial (e depois um agravo interno) para defender que a fixação dos honorários no despacho inicial da execução fiscal deveria seguir a regra do art. 85, § 3º, do CPC, que traz as faixas de valores para as causas em que a Fazenda Pública for parte (o que, no caso concreto, por certo levaria a um valor menor de honorários a serem pagos pelo contribuinte).

Fundamentos

A controvérsia decidida pelo STJ dizia respeito a um suposto conflito entre o art. 827 e o art. 85, § 3º, ambos do CPC, relativamente aos honorários advocatícios fixados no despacho inicial de um processo de execução fiscal (processo que é regido pela Lei 6.830/80 e que serve para a cobrança da dívida ativa tributária ou não tributária da Fazenda Pública).

Esse suposto conflito exigiu do STJ a definição de qual norma se apresenta com caráter especial: o art. 827 do CPC, que serve para as execuções por títulos executivos extrajudiciais, e que coloca o montante dos honorários em 10% do valor executado, ou a regra do art. 85, § 3º, do CPC, que é dirigido especificamente para a Fazenda Pública, com o estabelecimento de uma faixa gradativa de honorários, de acordo com o valor da condenação.

A Segunda Turma do STJ entendeu que o art. 827 do CPC deve ser visto como uma norma especial em relação ao art. 85, § 3º, do mesmo Código.

De fato, esse art. 827 do CPC traz o valor fixo dos honorários em 10% do valor da execução, mas autoriza que ele seja reduzido pela metade caso o executado, em 3 dias, pague integralmente a dívida. O STJ pontuou que essa fixação dos honorários no despacho inicial das execuções traduz os chamados honorários provisórios (na medida em que eles podem ser alterados de acordo com a postura do devedor; no cumprimento de sentença, pertinente aos títulos executivos judiciais, também há uma regra semelhante, mas que ainda vai além: autoriza a completa desconsideração dos honorários fixados no despacho inicial caso haja o pagamento integral da dívida, conforme o art. 523, § 1º, do CPC).

Então, diante dessa sistemática que permite a redução dos honorários na execução por título extrajudicial, o STJ considerou que a regra do art. 827 do CPC é especial em relação ao art. 85, § 3º, o qual, à sua vez, não trata dos honorários provisórios, mas dos definitivos (próprios, portanto, da fase de conhecimento, e não da execução).

Se não bastasse, a Primeira Turma do STJ possui precedente nesse exato sentido, afirmando que a regra do art. 827 do CPC é especial em relação à do art. 85, § 3º (AgInt no AgInt no REsp 1.912.918. DJe de 09/06/2021).

De todo modo, esse raciocínio apenas faz sentido se os honorários não forem incluídos na execução como um encargo ligado à Certidão de Dívida Ativa – ou seja, um valor previsto em lei que já serve como honorários e que, por isso, dispensa, na execução fiscal, a fixação dos honorários previstos no CPC. A incidência desses encargos da dívida ocorre, por exemplo, nas execuções fiscais movidas pela União, conforme prevê o Decreto-Lei 1.025/69.

Dispositivos

Código de Processo Civil
Art. 827. Ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários advocatícios de dez por cento, a serem pagos pelo executado.
§ 1º No caso de integral pagamento no prazo de 3 (três) dias, o valor dos honorários advocatícios será reduzido pela metade.

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
(...)
§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.

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Ementa

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL. DESPACHO INICIAL. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INICIAIS. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ART. 827, § 1º, DO CPC/2015. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ANÁLISE PREJUDICADA.
1. Trata-se de Agravo Interno interposto contra decisão monocrática que conheceu do Agravo para conhecer parcialmente do Recurso Especial, somente com relação à preliminar de violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, e, nessa parte, negou-lhe provimento.
2. A agravante sustenta: "18. Inicialmente, conforme reconhecido na r. Decisão Agravada, 'a questão dos autos é saber se, na Execução Fiscal, a fixação de honorários no despacho do juiz que ordena a citação deve observar o percentual estabelecido no art. 827 ou as faixas do 85, § 3°, ambos do Código de Processo Civil/2015' (fls. e-STJ 274). 19. Na r. Decisão Agravada, prevaleceu o entendimento de que o artigo 827 do CPC é norma especial, pois o alcance do artigo 85 do CPC é restrito a processos de conhecimento, no qual é realizado um juízo equitativo - dentro de cada faixa - dos honorários de sucumbência conforme o trabalho desenvolvido pelo advogado, o que não ocorre nas execuções, em que o percentual de 10% (dez por cento) é fixo e independente de qualquer atuação. 20.
Contudo, data maxima venia, tal entendimento está dissociado da sistemática processual do ordenamento brasileiro, pois ignora que o artigo 827 do CPC não se aplica às causas em que a Fazenda Pública for parte, uma vez que existe NORMA ESPECIAL para esta situação, qual seja, o artigo 85, § 3º, do CPC" (fl. 293, e-STJ).
3. No que diz respeito à questão de fundo, a tese de violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, o Tribunal de origem explicitou as razões pelas quais entende que a hipótese comporta aplicação preferencial do art. 827, § 1º, do CPC/2015. A solução da lide, portanto, relaciona-se ao mérito, inexistindo defeito na fundamentação do julgado.
4. A discussão dos autos é saber se, na Execução Fiscal, quando não incluídos como encargo na CDA, os honorários provisórios arbitrados no despacho do juiz que ordena a citação devem observar o percentual estabelecido no art. 827 ou as faixas do art. 85, § 3°, todos do Código de Processo Civil/2015.
5. O Tribunal de origem consignou: "4.1 A Lei de Execução Fiscal, em seu artigo 1º, traz, expressamente, a possibilidade de aplicação subsidiária das normas expressas no Código de Processo Civil à cobrança da Dívida Ativa da Fazenda Pública. Confira-se: (...)
4.1.1 Diante deste cenário, segundo a previsão do artigo 827 do Código de Processo Civil/2015, o MM. Julgador, ao proferir despacho inicial, nos processos executivos, fixará, de plano, a verba honorária, no valor de 10% (dez por cento), a ser paga pela parte Executada. Aludido valor poderá, inclusive, ser reduzido pela metade, caso ocorra o pagamento integral do débito exequendo.
Veja-se: (...) 4.2 Nesses termos, considerando que o Código de Processo Civil elegeu os critérios objetivos, para a fixação da verba honorária, não se mostra plausível empreender interpretação extensiva, ou ampliativa, sob pena de aviltar-se o espírito da norma. (...) 4.4 Com efeito, não existe mais a possibilidade de o magistrado fixar a verba honorária 'initio litis' dos feitos executivos, por apreciação equitativa, quando a lei, expressamente, impõe a observância do valor de 10% (dez por cento) sobre o valor da execução. Com esteio nesse arcabouço técnico e jurisprudencial, é forçoso concluir que o decisum, ora recorrido, deve ser reformado.
(...) 6.1 Ante o exposto, CONHEÇO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO E LHE DOU PROVIMENTO, para reformar a decisão agravada, determinando a fixação dos honorários advocatícios, devidos pela Executada, em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, ressalvando a sua redução à metade, caso haja o pagamento da dívida reivindicada, no prazo previsto no §1º do art. 827 do NCPC/2015" (fls. 70-72, e-STJ).
6. O CPC/2015, nos arts. 523, § 1º, e 827, prevê o pagamento de honorários tanto na fase de cumprimento de sentença como no processo de execução, estabelecendo, em ambos os casos, o percentual fixo de 10% (dez por cento).
7. Também em ambos os casos, o Código concede benefício ao devedor que satisfizer o crédito exequendo voluntariamente. No cumprimento de sentença, os honorários só serão devidos se não houver pagamento no prazo de quinze dias contados da intimação para pagamento voluntário (art. 523, caput e § 1º). E, no processo de execução, embora no mandado citatório seja fixada ab initio a verba honorária, "[n]o caso de integral pagamento no prazo de 3 (três) dias, o valor dos honorários advocatícios será reduzido pela metade" (art. 827, § 1º).
8. Como se vê, se a verba honorária na fase de conhecimento está condicionada ao trabalho que se exigiu do advogado (art. 85, § 2º) e, mesmo nas causas em que a Fazenda Pública for parte, tem quantificação variável (art. 85, § 3º), nos procedimentos executivos o percentual de 10% (dez por cento) é dado pela lei, sendo "ilegal o juiz fixar percentual inferior ou superior" (ASSIS, Araken de.
Manual da Execução. 20 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 805). A exclusão dessa verba (art. 523, caput e § 1º) ou sua redução à metade (art. 827, § 1º) condicionam-se única e exclusivamente ao comportamento do devedor.
9. A norma especial, no caso, não é o § 3º do art. 85, que versa sobre honorários definitivos na fase de conhecimento, mas o art. 827, que, compondo a sistemática legal dos honorários provisórios nos procedimentos executivos, "concede ao executado um estímulo para que satisfaça o mais rapidamente possível a execução" (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim... [et al.], 2. ed. São Paulo: RT, 2016, p.
1.298). A regra do art. 85, § 3º, somente poderia ser considerada especial em relação ao art. 827 se disciplinasse concretamente os honorários provisórios.
10. Não merece, pois, reparo o acórdão recorrido, que está em consonância com a jurisprudência do STJ, inclusive desta Segunda Turma. Precedentes: AREsp 1.798.708/GO, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 10.8.2021; AgInt no AgInt no REsp 1.912.918/GO, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 9.6.2021; AREsp 1.720.769/GO, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 19.4.2021.
11. Ademais, fica prejudicada a análise da divergência jurisprudencial quando a tese sustentada já foi afastada no exame do Recurso Especial pela alínea "a" do permissivo constitucional.
12. Agravo Interno não provido.
(AgInt no AREsp 1738784/GO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 05/11/2021)

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Direito Processual Civil. Fixação dos honorários arbitrados no despacho inicial da execução fiscal. Regra do art. 827 do CPC (execução por título extrajudicial). STJ, Segunda Turma, AgInt no AREsp 1.738.784.