Entendimento
É imperiosa a redução proporcional da pena-base quando o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, afastar uma circunstância judicial negativa do art. 59 do CP reconhecida na sentença condenatória.
Hipótese fática
Na origem, o juiz de primeiro grau proferiu uma sentença condenatória e fixou a pena-base em 6 anos e 6 meses, por entender que as circunstâncias e consequências do crime e a culpabilidade do agente eram desfavoráveis ao réu. No recurso exclusivo da defesa, o TJ/RS afastou a valoração negativa feita em relação às circunstâncias do crime, com a diminuição proporcional da pena. De acordo com esse entendimento, se o recurso é exclusivo da defesa e o Tribunal afasta uma das circunstâncias judiciais consideradas negativas pelo juiz, a pena deve necessariamente ser reduzida.
O STJ (por meio da sua Sexta Turma) confirmou essa decisão do TJ/RS, o que fez com que o Ministério Público interpusesse, na Terceira Seção da Corte, embargos de divergência.
O MP apontou um acórdão da Quinta Turma (REsp 1.853.139) que diverge desse entendimento, quando se decidiu que, em recurso exclusivo da defesa, mesmo reconhecendo que uma circunstância judicial (art. 59 do CP) tenha sido indevidamente aplicada de modo negativo pelo juiz, o Tribunal pode manter a pena aplicada ao réu (não agravar nem diminuir, mas manter), desde que com base em elementos diversos do que os considerados pelo juiz sentenciante.
Fundamentos
Os embargos de divergência foram julgados pela Terceira Seção do STJ (na medida em que a controvérsia foi estabelecida entre Turmas pertencentes à mesma Seção). O problema girava em torno da correta interpretação do art. 617 do CPP, segundo o qual “O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.”
É a chamada proibição da reforma para pior (ne reformatio in pejus).
A Terceira Seção do STJ considerou, porém, que, se o Tribunal afasta uma circunstância judicial tida pelo juiz como desfavorável ao condenado, a pena deve necessariamente ser reduzida.
No caso, a pena base foi aplicada em 6 anos e 6 meses [a pena-base é aquele que decorre da 1ª fase da aplicação da pena, quando o juiz analisa as chamadas circunstâncias judiciais (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime, comportamento da vítima); depois vem a 2ª fase (agravantes e atenuantes) e, por fim, a 3ª fase, com as causas de aumento e de diminuição da pena)].
Por isso, afastada uma circunstância judicial negativa (ou afastada uma agravante, ou uma causa de aumento), a pena teria que ser obrigatoriamente reduzida.
Isso deve acontecer mesmo que o Tribunal perceba a existência de alguma outra característica negativa que poderia ter sido levada em conta pelo juiz, mas não o foi.
Se o Tribunal pudesse levar em conta, em recurso exclusivo da defesa, uma outra característica desfavorável ao réu, o princípio da proibição da reforma para pior terminaria por ser violado.
Então, embora o art. 617 do CPP fale literalmente que a pena não pode ser agravada, o alcance da norma é mais amplo, abrangendo inclusive aquelas situações em que a pena deixa de ser reduzida, quando deveria tê-la sido.
Dispositivos
Código Penal
Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Código de Processo Penal
Art. 617. O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. EXCLUSÃO DE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. REDUÇÃO PROPORCIONAL DA PENA-BASE. EMBARGOS DESPROVIDOS.
1. É imperiosa a redução proporcional da pena-base quando o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, afastar uma circunstância judicial negativa do art. 59 do CP reconhecida no édito condenatório.
2. Embargos de divergência desprovidos.
(EDv nos EREsp 1826799/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Rel. p/ Acórdão Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/09/2021, DJe 08/10/2021)