Recurso Repetitivo, Tema 1004. Desapropriação indireta. Alienação do bem. Legitimidade do adquirente do imóvel para pedir a indenização. Apossamento administrativo. Esbulho em momento anterior à fixação da sua propriedade. STJ, REsp 1.750.660.
Por Flávio Borges
16 de janeiro de 2023
Administrativo
Intervenção do Estado na propriedade

Tese

Reconhecida a incidência do princípio da boa-fé objetiva em ação de desapropriação indireta, se a aquisição do bem ou de direitos sobre ele ocorrer quando já existente restrição administrativa, fica subentendido que tal ônus foi considerado na fixação do preço. Nesses casos, o adquirente não faz jus a qualquer indenização do órgão expropriante por eventual apossamento anterior. Excetuam-se da tese hipóteses em que patente a boa-fé objetiva do sucessor, como em situações de negócio jurídico gratuito ou de vulnerabilidade econômica do adquirente.

Hipótese fática

As proprietárias de um imóvel ingressaram com uma ação de desapropriação indireta (que é uma espécie de apossamento administrativo em que o Poder Público invade um bem privado sem pagar a indenização prévia) contra o Estado de Santa Catarina, para obterem indenização pelo apossamento de parte do bem, decorrente da pavimentação da Rodovia SC-303, que terminou por abranger uma porção da propriedade privada.

O pedido foi julgado procedente pelo juízo de primeiro grau, mas o TJ/SC reconheceu, na apelação, a ilegitimidade ativa das autoras. A Corte estadual argumentou que a desapropriação indireta se deu em 1981, época em que eram outros os proprietários do imóvel, e que o bem apenas foi transmitido às proprietárias autoras do processo em 1982, por meio de doação, circunstância que retira a sua legitimidade ativa – com esse raciocínio, o TJ/SC decidiu que a indenização deveria ser pedida pelas proprietárias originárias.

As autoras do processo ingressaram, então, com recurso especial, com o argumento de que, mesmo quando a aquisição do imóvel se dê depois do apossamento ou do esbulho administrativo (é dizer, depois de já ocorrida a desapropriação indireta), o novo proprietário assume todos os direitos decorrentes desse bem (conforme o art. 31 do Decreto-Lei 3.365/41), inclusive o de ser plenamente indenizado pela desapropriação indireta ocorrida no passado.

O recurso foi submetido à sistemática dos recursos repetitivos e julgado pela Primeira Seção do STJ.

Fundamentos

A controvérsia a ser definida pelo STJ dizia respeito à possibilidade de o adquirente de um imóvel assumir o direito de obter uma indenização por uma desapropriação indireta ocorrida quando outros eram os proprietários do bem – é dizer, por uma desapropriação indireta havida em momento anterior ao ato de alienação.

O STJ pontuou, então, que é possível presumir que o adquirente do bem, conhecendo que o imóvel objeto do negócio jurídico possui restrições administrativas (apossamento administrativo), paga um preço que leva em conta essa circunstância – de modo que o valor de fato pago, tendo em consideração a realidade do mercado, é presumivelmente menor do que o que seria pago se não tivesse ocorrido o apossamento administrativo.

Diante dessa premissa, o STJ fixou que o adquirente do bem não assume o direito de obter a indenização que recaía sobre o proprietário da época do apossamento administrativo – em outras palavras, ele não se sub-roga (assume) nos direitos do proprietário anterior.

De acordo com o STJ, o que se afasta não é o direito à indenização por intervenção ou esbulho administrativos em si, que remanesce com o titular do domínio à época da restrição. Apenas se afirma que, com base nos princípios da boa-fé objetiva, da proibição de enriquecimento sem causa e da moralidade, o adquirente posterior não é parte legítima para cobrá-lo, por lhe faltar interesse de agir, em face da presunção juris et de jure de conhecimento prévio das restrições administrativas e de desconto, no preço do negócio, da necessária desvalorização do bem.

Nas duras palavras do min. designado relator para o acórdão (min. Herman Benjamin), “No fundo, quem assim se comporta ambiciona que o Judiciário acredite no conto da carochinha de haver sido negociado o bem com ônus preexistente – decorrente de intervenção material do Estado visível a olho nu ou de limitações administrativas de conhecimento público – por valor irreal, como se estivesse vazio de constrição, e não, como normalmente sucede, por montante desproporcional ou ínfimo em comparação com o que se cobra do Estado.”

E seguiu para dizer que “O Judiciário não deve dar guarida a quem pretende não o exercício de um direito, mas uma invocação abusiva do direito.”

O STJ ainda rejeitou a tese da incidência do 31 do Decreto-Lei 3.365/41 ao caso, afirmando que esse dispositivo se aplica a quem, no momento da desapropriação, já era titular de ônus ou de direitos reais sobre o imóvel (hipoteca, penhor, alienação fiduciária, enfiteuse, usufruto, uso, habitação).

De todo modo, a Corte Superior prosseguiu para estabelecer duas exceções à tese que estava formulando: o adquirente do bem a título gratuito pode sim assumir o direito à indenização pela desapropriação indireta ocorrida em momento anterior, assim como o sujeito vulnerável igualmente se sub-roga nos direitos do proprietário anterior, hipóteses em que ocorre a presunção relativa de boa-fé objetiva, de moralidade e de inexistência de enriquecimento sem causa.

Fixada a tese e as suas exceções, o STJ passou ao julgamento do caso concreto, para concluir que, na hipótese, a aquisição do bem se deu por doação (ato gratuito, portanto), precisamente uma das exceções que a Corte terminou por estabelecer e que levou à reforma do acórdão recorrido, para que o TJ/SC continuasse com o julgamento da apelação, inclusive apreciando eventual prescrição.

Dispositivos

Constituição Federal
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
(...).

Decreto-Lei 3.365/41
Art. 31. Ficam subrogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado.

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Ementa

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO ANTERIOR À ALIENAÇÃO. INDENIZAÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA DO ADQUIRENTE. DESCABIMENTO DE PRETENSÃO FUNDADA EM CESSÃO DE DIREITOS E SUB-ROGAÇÃO. ARTS. 286, 290, 346, 347, 349, 884, CAPUT, E 927 DO CÓDIGO CIVIL. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA, DA MORALIDADE E DA PROIBIÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. INAPLICABILIDADE DO ART. 31 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO E DA PRIMEIRA E SEGUNDA TURMAS DO STJ. JURISPRUDÊNCIA INERCIAL. ARTS. 926, CAPUT, E 927, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Estavam afetados à sistemática dos Repetitivos (Tema 1.004) os presentes autos e o Recurso Especial 1.750.660/SC.
2. O julgamento da matéria foi interrompido por ter a eminente Ministra Assusete Magalhães pedido vista do Recurso Especial 1.750.660/SC, tendo sido o presente feito adiado na ocasião.
3. Na sessão em que a Ministra Assuste Magalhães proferiu seu Voto-Vista no referido Recurso Especial 1.750.660/SC, o julgamento do Tema 1.004 foi concluído, fixando a Primeira Seção a seguinte TESE: "Reconhecida a incidência do princípio da boa-fé objetiva em ação de desapropriação indireta, se a aquisição do bem ou de direitos sobre ele for realizada quando já existente restrição administrativa, fica subentendido que tal ônus foi considerado na fixação do preço. Nesses casos, o adquirente não faz jus a qualquer indenização do órgão expropriante por eventual apossamento anterior.
Excepcionam-se da tese hipóteses em que patente a boa-fé objetiva do sucessor, como em situações de negócio jurídico gratuito ou de vulnerabilidade econômica do adquirente".
4. Impõe-se, assim, o julgamento deste feito em consonância com o entendimento fixado pela Primeira Seção no Tema 1.004. JURISPRUDÊNCIA UNIFORME, EM SEIS PRECEDENTES, DA PRIMEIRA SEÇÃO SOBRE A MATÉRIA: JULGADO RECENTE DA RELATORIA DA MINISTRA REGINA HELENA COSTA 5. Em 2018, apreciando caso idêntico ao dos autos - Ação de Desapropriação Indireta contra o Deinfra, subscrita pelo mesmo Advogado que atua neste processo (e no REsp 1.750.656/SC, que chegou a ser incluído na mesma afetação), cuja causa de pedir era a implantação de Rodovia no Estado de Santa Catarina (SC-483) -, a Primeira Seção, em Embargos de Divergência decididos à unanimidade, adotou o seguinte entendimento: "O acórdão embargado seguiu orientação da jurisprudência desta Corte, segundo a qual caso a aquisição do bem tenha sido realizada quando existentes restrições no imóvel, fica subentendido que a situação foi considerada na fixação do preço do bem. Não se permite, por meio de ação expropriatória indireta, o ressarcimento de prejuízo que a parte evidentemente não sofreu." (AgInt nos EREsp 1.533.984/SC, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, DJe 22.6.2018) 6. Em seu voto, a eminente Relatora bisou precedentes da Primeira Seção. Tão sólida foi a compreensão de que esse entendimento estava pacificado no STJ que a Seção julgou protelatório o Agravo Interno, que insistia na premissa de o adquirente posterior do imóvel afetado ter direito à indenização, motivo pelo qual se puniu o autor da ação com multa de 1% sobre o valor atualizado da causa. LEADING CASE INICIAL DA PRIMEIRA SEÇÃO: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA 254.246/SP 7. No contexto de acórdão publicado em março de 2007, o tema já havia sido submetido, por muitos meses, a amplo e intenso debate na Primeira Seção, na esteira de Embargos de Divergência, juntados vários Votos-Vista (EREsp 254.246/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, DJ 12.3.2007). Nesse leading case, o Relator consignou:
"Se, quando da realização do negócio jurídico relativo a compra e venda de imóvel, já incidiam restrições administrativas [...] subentende-se que, na fixação do respectivo preço, foi considerada a incidência do referido gravame [...] Não há de se permitir a utilização do remédio jurídico da ação desapropriatória como forma de ressarcir prejuízo que a parte, conquanto alegue, à toda evidência, não sofreu, visto ter adquirido imóvel que sabidamente deveria ser utilizado com respeito às restrições anteriormente impostas." Na ocasião, enfatizou o Ministro Castro Meira que o fundamento para pagamento da indenização não estaria presente, pois "a aquisição posterior do imóvel não justifica a alegação de surpresa com o ato praticado pelo Estado que teria causado desvalorização à propriedade". Já o Ministro Teori Albino Zavascki alertou para a deturpação das finalidades da norma de regência da temática: "Subjaz a essa orientação o entendimento de que o princípio constitucional da justa indenização visa a proteger o direito de propriedade, mas não a fomentar enriquecimento indevido, à base de pura especulação imobiliária." OUTROS PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO 8. Há outros precedentes da Primeira Seção, em convergência com o julgado da Relatoria da Ministra Regina Helena Costa. Transcrevo-os (em ordem cronológica):
8.1. "não se pode falar em prejuízo porque, quando da compra e venda do imóvel, já incidiam as restrições administrativas impostas pelos citados decretos e, na fixação do preço do negócio, também se consideraram essas restrições de uso." (EREsp 209.297/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 13.8.2007) 8.2. "é descabida qualquer indenização quando a aquisição do imóvel se der após a ocorrência da limitação administrativa", reconhecendo-se "a falta de interesse de agir do desapropriado ...
na ação indenizatória originária, tendo em conta que se trata de imóvel adquirido após a implementação da limitação administrativa."
(AR 2.075/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, DJe 23.9.2009). Nesse julgamento, consignou, em Voto-Vista, o Ministro Teori Zavascki: "É orientação firmemente assentada na jurisprudência dessa Seção a de que o proprietário atual não tem direito de haver indenização por limitações administrativas pré-existentes à data da aquisição do imóvel." Por sua vez, o Ministro Luiz Fux, também em Voto escrito, explanou que "a Seção tem entendimento uníssono" no sentido de negar ao "proprietário atual" indenização por restrições "pré-existentes à data da aquisição do imóvel", e isso porque "a solução contrária viola o Princípio da Justa Indenização" (grifos acrescentados).
8.3. "A jurisprudência da Primeira Seção desta Corte de Justiça firmou-se em que, nas hipóteses em que já incidiam as restrições administrativas decorrentes da criação do parque ecológico no momento da venda do imóvel, é incabível a indenização a título de desapropriação indireta, não havendo falar, em casos tais, em sub-rogação do direito à indenização da empresa antes controlada."
(AgRg nos EREsp 765.872/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, DJe 27.4.2010). Votaram com o Relator os Ministros Eliana Calmon, Luiz Fux, Castro Meira, Humberto Martins, Benedito Gonçalves, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques).
8.4. "não há de se permitir a utilização do remédio jurídico da ação desapropriatória como forma de ressarcir prejuízo que a parte, conquanto alegue, à toda evidência, não sofreu, visto ter adquirido imóvel que sabidamente deveria ser utilizado com respeito às restrições anteriormente impostas pela legislação estadual." (EAREsp 407.817/SP, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJe 3.6.2009, invocando e ratificando, nesse ponto, o leading case acima citado, EREsp 254.246/SP). JURISPRUDÊNCIA MAJORITÁRIA DAS DUAS TURMAS DE DIREITO PÚBLICO 9. Afinados com a diretriz uniformizada, a partir de 2007, pela Primeira Seção, colecionam-se, em ordem cronológica, acórdãos das duas Turmas de Direito Público:
8.1. "Tendo o recorrente adquirido o imóvel após a criação do Parque Ecológico, conhecendo as limitações a ele impostas, vê-se mitigado o direito indenizatório do proprietário." (REsp 258.709/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJU de 24.2.2003) 9.2. "Não há de se permitir a utilização do remédio jurídico da ação desapropriatória como forma de ressarcir prejuízo que a parte conquanto alegue, à toda evidência, não sofreu, visto ter adquirido, sabidamente, imóvel que haveria de ser utilizado com respeito às restrições que já haviam sido impostas por leis estaduais." (AgRg no Ag 404.715/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJU de 3.11.2004) 9.3. "É inadmissível a propositura de ação indenizatória na hipótese em que a aquisição do imóvel objeto da demanda tiver ocorrido após a edição dos atos normativos que lhe impuseram as limitações supostamente indenizáveis." (REsp 746.846/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJU 20.9.2007, p. 224).
9.4. Ausente direito à indenização, pois "os particulares adquiriram a propriedade após a edição do Decreto Estadual. Indenização indevida". (REsp 1.059.491/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 30.9.2009) 9.5. "Não cabe indenização pela limitação administrativa decorrente da criação do Parque Estadual da Serra do Mar, se o imóvel foi adquirido quando já incidiam as restrições impostas pelo Estado de São Paulo." (REsp 686.410/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11.11.2009) 9.6. "É indevido o direito à indenização se o imóvel for adquirido após o implemento da limitação administrativa, porque se supõe que as restrições de uso e gozo da propriedade já foram consideradas na fixação do preço." (REsp 1.126.525/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 25.5.2010) 9.7. "É indevido o direito à indenização se o imóvel for adquirido após o implemento da limitação administrativa, porque se supõe que as restrições de uso e gozo da propriedade já foram consideradas na fixação do preço." (REsp 920.170/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18.8.2011).
9.8. "O novo proprietário não pode se locupletar indevidamente do direito de indenização a ser pago pelo Estado, pois não foi ele quem sofreu prejuízo com a intervenção do expropriante em sua propriedade." (AgInt no REsp 1.413.228/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, 12.6.2017, grifo acrescentado).
9.9. "é indevido o direito à indenização se o imóvel foi adquirido após a imposição de limitação administrativa, porque se supõe que as restrições de uso e gozo da propriedade já foram consideradas na fixação do preço." (AgInt no REsp 1.713.268/SC, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 15.8.2018).
10. No entanto, sobretudo antes da pacificação da matéria no âmbito da Primeira Seção (2007), encontram-se nas Turmas numerosos precedentes com entendimento oposto, entre outros, "O fato de os expropriados haverem adquirido as terras após a constituição do Parque não exclui o direito à indenização, nem limita a sua quantificação, porquanto, os adquirentes se sub rogaram, ao adquirir o imóvel, no domínio, posse, direito e ações." (REsp 209.297/SP, Rel. Ministro Paulo Medina, Segunda Turma, DJ 10.3.2003, p. 138);
"Na desapropriação indireta quem adquire a propriedade imóvel, já ocupada pela expropriante, mas antes de efetuado o pagamento justo, subroga-se no direito à indenização, inclusive no tocante à percepção dos juros compensatórios, devidos desde a ocupação do imóvel." (REsp 9.127/PR, Rel. Ministro Garcia Vieira, Primeira Turma, DJU de 20.5.1991). Mais recentemente, p. ex., AgInt no REsp 1.608.246/SC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 3.8.2018; AgInt no REsp 1.503.703/SC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 8.8.2018.
11. A referência merece terceira posição (intermediária, com dois precedentes nas Turmas), que condiciona a transmissão da pretensão indenizatória a que o novo adquirente prove que, pelo imóvel, pagou preço que espelha o valor anterior ao esbulho: "para o atual proprietário do bem fazer jus ao valor da indenização, pela desapropriação indireta, seria necessário que demonstrasse nos autos que o adquiriu pelo seu preço antes da desvalorização advinda do apossamento administrativo" (AgInt no REsp 1.413.228/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 6.6.2017). Por igual: REsp 1.424.653/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 10.10.2016. OBSERVÂNCIA, NO DIREITO PÚBLICO, DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA 12. No Direito Público, com maior razão até que no Direito Privado, hão de ser aplicados, rigorosamente e na maior extensão possível, os princípios da boa-fé objetiva e da proibição de enriquecimento sem causa. Especificamente quanto à questão controvertida nos autos, repita-se trecho da lição, em Voto-Vista, do Ministro Teori Zavaski:
"subjaz à proibição de cobrança, pelo novo proprietário, de indenização por restrição ou esbulho administrativo, o entendimento de que o princípio constitucional da justa indenização visa a proteger o direito de propriedade, mas não a fomentar enriquecimento indevido, à base de pura especulação imobiliária." E conclui:
demanda como a dos presentes autos "representa não o exercício de um direito, mas uma invocação abusiva do direito" (EREsp 254.246/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, DJ 12.3.2007, grifo acrescentado). DEBATES APROFUNDADOS E ELUCIDATIVOS NA SESSÃO DE JULGAMENTO 12. Na sessão em que a eminente Ministra Assusete Magalhães proferiu seu Voto-Vista no Recurso Especial 1.750.660/SC, afetado juntamente com este feito para julgamento sob a sistemática dos repetitivos, foram aprofundados e elucidativos os debates acerca da questão central do Recurso Especial. O Ministro Francisco Falcão, acompanhando a divergência, pontuou: "Essa matéria já foi amplamente discutida em 2005, em 2006, no período em que eu era Presidente da Primeira Seção [...] E, sabedor de que quem adquiriu a propriedade sabia que havia restrição sobre aquela gleba, sobre aquele título de domínio, não tenho como modificar esta jurisprudência já pacificada no STJ." Por sua vez, o Ministro Sérgio Kukina rememorou que a matéria está associada à chamada "indústria da desapropriação". Tal patologia, nas suas palavras, "sempre gerou perplexidade, precatórios que se repetiam [...] tudo de fato desenhando esse cenário que não foi auspicioso, principalmente para o Erário e, portanto, para os contribuintes". O Ministro Benedito Gonçalves ponderou que, embora tenha havido oscilação na jurisprudência, "chegou-se o momento de definir as situações que foram bem postas aqui, firmando uma posição". Da posição majoritária discordou o Ministro Og Fernandes, acompanhando o Relator originário, arguindo que, ao se negar a possibilidade de cessão/sub-rogação, se estaria "colocando o Estado numa situação de privilégio, que beira a um enriquecimento ilícito". Em esmerado Voto-Vogal escrito, a Ministra Assusete Magalhães não se opõe, na essência, à linha jurisprudencial da Primeira Seção sobre a vedação de cessão/sub-rogação, desde que se trate de constrição provinda de limitação administrativa ou normativa, cenário em que, nas suas palavras, realmente quem adquire após a constrição "não pode pretender obter depois indenização pela existência dessa limitação administrativa". Logo, "em se tratando de limitação administrativa, aplica-se, sim, esse entendimento" da Primeira Seção. Contudo, inferiu que, na hipótese dos autos, a situação é distinta, discrímen que afasta a pertinência dos precedentes arrolados, por "versarem sobre pedidos de indenização em decorrência de limitações administrativas, que não envolveram o apossamento ou o esbulho da propriedade pela Administração Pública".
Vale dizer, a jurisprudência da Primeira Seção permanece íntegra no universo próprio das limitações administrativas ou normativas, mas não no espaço da desapropriação indireta por apossamento físico (esbulho, como neste processo, para execução de pavimentação de estrada) de parcela do imóvel. Daí não irromper fundamento jurisprudencial apto a obstar, in casu, a alegada cessão/sub-rogação. Finalmente, pontuou a Ministra Regina Helena Costa, sufragando o encaminhamento majoritário, não se justificar impedir a cessão/sub-rogação apenas nos casos de limitação administrativa. Se o fundamento dessa vedação é a recognição, sob o pálio de princípios caros ao Direito, de que o adquirente não sofreu os efeitos da intervenção do Estado, igual entendimento deve ser aplicado em situações de desapropriação como a dos autos, pois, "em sendo esbulho, em sendo apossamento, é a própria supressão do direito de propriedade". INAPLICABILIDADE DO ART. 31 DO DECRETO-LEI 3.365/1941 13. A arguição de ofensa ao art. 31 do Decreto-Lei 3.365/1941 não se sustenta. A previsão de que "ficam sub-rogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado" resguarda os interesses daqueles que, antes da desapropriação, sejam titulares de ônus ou direitos reais sobre o imóvel (hipoteca, penhor, alienação fiduciária, enfiteuse, usufruto, uso, habitação).
14. A questão jurídica dos autos é completamente dessemelhante. Ela se atém a pleito de cessão/sub-rogação entre o proprietário original e o adquirente, resultante de alienação do bem após intervenção, apossamento ou esbulho administrativo. Não guarda, portanto, correlação alguma com a ratio do art. 31, que se cinge a prescrever que, na desapropriação, pleitos de titulares de ônus e direitos reais sobre o imóvel são "sub-rogados no preço", de maneira a deixar para o Estado o bem livre de qualquer vínculo ou constrição.
Transferem-se, por conseguinte, eventuais prerrogativas de terceiros para o "bolo geral" do quantum a ser desembolsado pela Fazenda Pública como indenização. Com isso, esclarece-se que o proprietário deverá compartilhar o pagamento com outros sujeitos interessados, detentores de direitos ou ônus sobre o bem. DEFINIÇÃO DA TESE REPETITIVA 15. Diante do exposto, quem adquire imóvel após apossamento administrativo não pode, em nome próprio, por lhe faltar legitimidade ativa e interesse de agir, cobrar indenização.
16. O caso deve ser solucionado nos termos do Tema 1.004:
"Reconhecida a incidência do princípio da boa-fé objetiva em ação de desapropriação indireta, se a aquisição do bem ou de direitos sobre ele for realizada quando já existente restrição administrativa, fica subentendido que tal ônus foi considerado na fixação do preço.
Nesses casos, o adquirente não faz jus a qualquer indenização do órgão expropriante por eventual apossamento anterior. Excepcionam-se da tese hipóteses em que patente a boa-fé objetiva do sucessor, como em situações de negócio jurídico gratuito ou de vulnerabilidade econômica do adquirente". RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 17. As particularidades deste processo, em comparação com o citado Recurso Especial 1.750.660/SC, são mínimas (p. ex., o imóvel não foi adquirido por doação, mas por compra e venda). Quanto ao resto, o caso é idêntico: Ação de Indenização por Desapropriação Indireta proposta contra o Departamento de Infraestrutura de Santa Catarina (Deinfra) pela instalação de rodovia, tendo-se consignado no acórdão recorrido: "ficando evidente que os autores adquiriram o imóvel desapossado após o início das obras da rodovia que o atravessa, não há que se falar em direito a indenização, sendo, portanto, improcedente o pedido inicial" (fl. 400, e-STJ).
18. Da mesma forma, os recorrentes se inserem na ressalva feita na tese repetitiva (vulnerabilidade), pois são "pequenos agricultores" (fl. 5, e-STJ), casados, pleiteando indenização por um imóvel avaliado por perito em R$ 15.918,52 (quinze mil, novecentos e dezoito reais e cinqüenta e dois centavos) (fl. 95, e-STJ).
19. Consequentemente, devem baixar à origem. CONCLUSÃO 20. Recurso Especial provido, sob o rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015, determinando-se a devolução dos autos à origem para que se prossiga com o julgamento.
(REsp n. 1.750.624/SC, relator Ministro Gurgel de Faria, relator para acórdão Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 23/6/2021, DJe de 17/12/2021.)

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Recurso Repetitivo, Tema 1004. Desapropriação indireta. Alienação do bem. Legitimidade do adquirente do imóvel para pedir a indenização. Apossamento administrativo. Esbulho em momento anterior à fixação da sua propriedade. STJ, REsp 1.750.660.