Tese
O art. 782, § 3º, do CPC é aplicável às execuções fiscais, devendo o magistrado deferir o requerimento de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, preferencialmente pelo sistema SERASAJUD, independentemente do esgotamento prévio de outras medidas executivas, salvo se vislumbrar alguma dúvida razoável à existência do direito ao crédito previsto na Certidão de Dívida Ativa – CDA.
Hipótese fática
Em execução fiscal movida pelo IBAMA, o juízo de primeiro grau entendeu que o juiz não estava obrigado a acolher o pedido do exequente para que o nome do devedor fosse inscrito no SERASAJUD (cadastro de inadimplente relacionado a devedores com demandas já ajuizadas). O TRF4 negou provimento ao agravo de instrumento interposto contra essa decisão, argumentando que o próprio exequente poderia realizar a inscrição do devedor no cadastro de inadimplente, não sendo necessário valer-se do Judiciário para esse fim. O IBAMA, então, interpôs recurso especial, julgado pela Primeira Seção do STJ de acordo com o rito dos recursos repetitivos.
Fundamentos
O STJ começou por situar a norma em torno da qual se estabeleceu a controvérsia: o art. 782, § 3º, do CPC, de acordo com o qual, a requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.
O dispositivo está inserido na parte do CPC que trata das execuções por títulos extrajudiciais. Mais adiante, o § 5º desse mesmo art. 782 determina a aplicação da regra às execuções definitivas (excluindo, portanto, as provisórias) de título judicial.
Daí a conclusão linear tomada pelo STJ no sentido de que, cuidando-se a execução fiscal de uma execução por título extrajudicial, é evidente a aplicação art. 782, § 3º, do CPC – que atribui ao juiz a tarefa de determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.
O STJ ainda pontuou que a Lei 6.830/80 (Lei da Execução Fiscal) permite a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, de modo que essa regra do art. 782, § 3º, do CPC pode sim incidir nesse tipo de feito, até pela ausência de qualquer impedimento explícito.
Se não bastasse, a inscrição do devedor de execução em cadastro de inadimplente (da mesma forma que o protesto da Certidão de Dívida Ativa) vai ao encontro da regra do art. 139, IV, do CPC, ao manifestar que o juiz deve “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.”
Demais disso, o argumento do acórdão recorrido (de que, se o próprio exequente poderia providenciar essa inscrição do devedor, não havia necessidade de pedi-la ao juiz) foi afastado pelo STJ. A Corte levou em conta que o fato de o exequente poder agir não retira do juiz o ônus de cumprir um dever que o CPC lhe atribui.
Existe, aliás, uma razão de ordem econômica que explica por que os exequentes preferem requerer que o magistrado determine a inscrição do devedor nesses cadastros: o Judiciário estabeleceu um convênio com o SERASA, que gerou o SERASAJUD, de uso gratuito. Os exequentes, porém, se fossem atuar diretamente, teriam um custo financeiro (a menos que venham a estabelecer semelhantes convênios). É natural, portanto, que prefiram fazer o pedido ao Judiciário, o qual não pode negá-lo, a menos que haja uma dúvida razoável a respeito da existência do direito ao crédito previsto na Certidão de Dívida Ativa – CDA.
Dispositivos
Código de Processo Civil
Art. 782. Não dispondo a lei de modo diverso, o juiz determinará os atos executivos, e o oficial de justiça os cumprirá.
§ 1º O oficial de justiça poderá cumprir os atos executivos determinados pelo juiz também nas comarcas contíguas, de fácil comunicação, e nas que se situem na mesma região metropolitana.
§ 2º Sempre que, para efetivar a execução, for necessário o emprego de força policial, o juiz a requisitará.
§ 3º A requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.
§ 4º A inscrição será cancelada imediatamente se for efetuado o pagamento, se for garantida a execução ou se a execução for extinta por qualquer outro motivo.
§ 5º O disposto nos §§ 3º e 4º aplica-se à execução definitiva de título judicial.
Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/80)
Art. 1º. A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. INSCRIÇÃO DO DEVEDOR EM CADASTROS DE INADIMPLENTES POR DECISÃO JUDICIAL. EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE. ART. 5º, INC. LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTS. 4º, 6º, 139, INC. IV, 782, §§3º A 5º, E 805 DO CPC/2015. PRINCÍPIOS DA EFETIVIDADE DA EXECUÇÃO, DA ECONOMICIDADE, DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E DA MENOR ONEROSIDADE PARA O DEVEDOR. ART. 1º DA LEI Nº 6.830/80. EXECUÇÃO FISCAL. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CPC. SERASAJUD. DESNECESSIDADE DE ESGOTAMENTO PRÉVIO DE OUTRAS MEDIDAS EXECUTIVAS. DEFERIMENTO DO REQUERIMENTO DE NEGATIVAÇÃO, SALVO DÚVIDA RAZOÁVEL QUANTO À EXISTÊNCIA DO DIREITO AO CRÉDITO PREVISTO NA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA - CDA. CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS DA DECISÃO JUDICIAL PARA A PRECISÃO E QUALIDADE DOS BANCOS DE DADOS DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E PARA A ECONOMIA DO PAÍS. ART. 20 DO DECRETO-LEI Nº 4.657/1942 (ACRESCENTADO PELA LEI Nº 13.655/2018, NOVA LINDB). RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DO ART. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015 C/C ART. 256-N E SEGUINTES DO REGIMENTO INTERNO DO STJ.
1. O objeto da presente demanda é definir se o art. 782, §3º do CPC é aplicável apenas às execuções de título judicial ou também às de título extrajudicial, mais especificamente, às execuções fiscais.
2. O art. 782, §3º do CPC está inserido no Capítulo III ("Da competência"), do Título I ("Da execução em geral"), do Livro II (Do processo de execução") do CPC, sendo que o art. 771 dispõe que "este Livro regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial".
3. Não há dúvidas, portanto, de que o art. 782, §3º, ao determinar que "A requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.", dirige-se às execuções fundadas em títulos extrajudiciais.
4. O art. 782, §5º, ao prever que "O disposto nos §§ 3º e 4º aplica-se à execução definitiva de título judicial.", possui dupla função: 1) estender às execuções de títulos judiciais a possibilidade de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes; 2) excluir a incidência do instituto nas execuções provisórias, restringindo-o às execuções definitivas.
5. Nos termos do art. 1º da Lei nº 6.830/80, o CPC tem aplicação subsidiária às execuções fiscais, caso não haja regulamentação própria sobre determinado tema na legislação especial, nem se configure alguma incompatibilidade com o sistema. É justamente o caso do art. 782, §3º do CPC, que se aplica subsidiariamente às execuções fiscais pois: 1) não há norma em sentido contrário na Lei nº 6.830/1980; 2) a inclusão em cadastros de inadimplência é medida coercitiva que promove no subsistema os valores da efetividade da execução, da economicidade, da razoável duração do processo e da menor onerosidade para o devedor (arts. 4º, 6º, 139, inc. IV, e 805 do CPC). Precedentes do STJ.
6. O Poder Judiciário determina a inclusão nos cadastros de inadimplentes com base no art. 782, §3º, por meio do SERASAJUD, sistema gratuito e totalmente virtual, regulamentado pelo Termo de Cooperação Técnica nº 020/2014 firmado entre CNJ e SERASA. O ente público, por sua vez, tem a opção de promover a inclusão sem interferência ou necessidade de autorização do magistrado, mas isso pode lhe acarretar despesas a serem negociadas em convênio próprio.
7. A situação ideal a ser buscada é que os entes públicos firmem convênios mais vantajosos com os órgãos de proteção ao crédito, de forma a conseguir a quitação das dívidas com o mínimo de gastos e o máximo de eficiência. Isso permitirá que, antes de ajuizar execuções fiscais que abarrotarão as prateleiras (físicas ou virtuais) do Judiciário, com baixo percentual de êxito (conforme demonstrado ano após ano no "Justiça em Números" do CNJ), os entes públicos se valham do protesto da CDA ou da negativação dos devedores, com uma maior perspectiva de sucesso.
8. Porém, no momento atual, em se tratando de execuções fiscais ajuizadas, não há justificativa legal para o magistrado negar, de forma abstrata, o requerimento da parte de inclusão do executado em cadastros de inadimplentes, baseando-se em argumentos como: 1) o art. 782, § 3º, do CPC apenas incidiria em execução definitiva de título judicial; 2) em se tratando de título executivo extrajudicial, não haveria qualquer óbice a que o próprio credor providenciasse a efetivação da medida; 3) a intervenção judicial só caberá se eventualmente for comprovada dificuldade significativa ou impossibilidade de o credor fazê-lo por seus próprios meios; 4) ausência de adesão do tribunal ao convênio SERASAJUD ou a indisponibilidade do sistema. Como visto, tais requisitos não estão previstos em lei.
9. Em suma, tramitando uma execução fiscal e sendo requerida a negativação do executado com base no art. 782, § 3º, do CPC, o magistrado deverá deferi-la, salvo se vislumbrar alguma dúvida razoável à existência do direito ao crédito previsto na Certidão de Dívida Ativa - CDA, a exemplo da prescrição, da ilegitimidade passiva ad causam, ou outra questão identificada no caso concreto.
10. Outro ponto importante a ser fixado é que, sendo medida menos onerosa, a anotação do nome da parte executada em cadastro de inadimplentes pode ser determinada antes de exaurida a busca por bens penhoráveis. Atende-se, assim, ao princípio da menor onerosidade da execução, positivado no art. 805 do CPC. Precedentes do STJ.
11. Por fim, sob um prisma da análise econômica do Direito, e considerando as consequências práticas da decisão - nos termos do art. 20 do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (acrescentado pela Lei nº 13.655/2018, que deu nova configuração à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB) -, não se pode deixar de registrar a relevância para a economia do país e para a diminuição do "Custo Brasil" de que a atualização dos bancos de dados dos birôs de crédito seja feita por meio dos procedimentos menos burocráticos e dispendiosos, tais como os utilizados no SERASAJUD, a fim de manter a qualidade e precisão das informações prestadas. Postura que se coaduna com a previsão do art. 5º, inc. XXXIII, da CF/88 ("todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado").
12. Com base no art. 927, §3º, do CPC, rejeito a modulação dos efeitos proposta pela Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo - ANNEP, uma vez que o entendimento firmado no presente recurso repetitivo é predominante no STJ há bastante tempo.
13. Tese jurídica firmada: "O art. 782, §3º do CPC é aplicável às execuções fiscais, devendo o magistrado deferir o requerimento de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, preferencialmente pelo sistema SERASAJUD, independentemente do esgotamento prévio de outras medidas executivas, salvo se vislumbrar alguma dúvida razoável à existência do direito ao crédito previsto na Certidão de Dívida Ativa - CDA.".
14. Recurso especial conhecido e provido, nos termos da fundamentação.
15. Recurso julgado sob a sistemática do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e art. 256-N e seguintes do Regimento Interno deste STJ.
(REsp n. 1.807.180/PR, relator Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 24/2/2021, DJe de 11/3/2021.)