Recurso Repetitivo, Tema 1052. Unificação de penas. Definição da data para a concessão de novos benefícios executórios. STJ, Terceira Seção, ProAfR no REsp 1.619.265.
Por Flávio Borges
11 de janeiro de 2023
Penal
Aplicação da pena
Legislação penal extravagante

Tese

Para ensejar a aplicação de causa de aumento de pena prevista no art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006 ou a condenação pela prática do crime previsto no art. 244-B da Lei n. 8.069/1990, a qualificação do menor, constante do boletim de ocorrência, deve trazer dados indicativos de consulta a documento hábil - como o número do documento de identidade, do CPF ou de outro registro formal, tal como a certidão de nascimento.

Hipótese fática

O Ministério de Minas Gerais interpôs recurso especial (submetido ao tido dos recursos repetitivos) contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça desse mesmo Estado, o qual entendeu que a qualificação do menor inserida em boletim de ocorrência não é prova suficiente da menoridade do suposto adolescente.

O MP/MG argumentou que o boletim de ocorrência deve sim servir de prova da idade do menor, tendo em vista que o documento é produzido por agente público, com suficiente presunção de legitimidade.

Fundamentos

A questão definida pelo STJ dizia respeito à possibilidade de se considerar as informações inseridas no boletim de ocorrência como suficientes, por si sós, para demonstrar a idade do menor.

A relevância da discussão se dá pela presença da idade do agente em diversos dispositivos do Direito Penal, conforme sucede na causa de aumento de pena prevista no art. 40, VI, da Lei 11.343/2006 (que se dá quando a prática do crime de tráfico de drogas se dá para envolver ou quando visa atingir criança ou adolescente) e na hipótese do delito de corrupção de menores (previsto no art. 244-B da Lei 8.069/90 – ECA).

O STJ, então, começou por lembrar que o próprio direito positivo regula o registro civil dos atos relacionados ao estado das pessoas. Não à toa, o art. 9º do Código Civil prescreve que:

Art. 9º Serão registrados em registro público:
I - os nascimentos, casamentos e óbitos;
II - a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz;
III - a interdição por incapacidade absoluta ou relativa;
IV - a sentença declaratória de ausência e de morte presumida.

Mas há outros dispositivos que flexibilizam a regra da prova por assentamento em registro público, embora mantenham a exigência de apresentação de algum tipo de documento.

Não à toa, o STJ editou a súmula 74 da sua jurisprudência, no sentido de que, “Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil.”

De acordo com a Corte, “A tese mencionada consolidou o posicionamento jurisprudencial acerca da comprovação da idade do agente para atrair a incidência da redução do prazo prescricional. Os arestos proferidos à época eram firmes em registrar que, para a aplicação do disposto no art. 115 do Código Penal, não bastava afirmação do próprio réu a respeito de sua data de nascimento; fazia-se necessária, também, a apresentação de algum documento que comprovasse o quanto foi dito.”

Essa mesma linha de raciocínio foi seguida em diversos outros temas relacionado à idade do menor (com fatos que geram repercussão no Direito Penal), como aconteceu com a aplicação da atenuante do art. 65, I, do CP e a comprovação da idade de vítimas de crimes contra a dignidade sexual.

Daí a conclusão do STJ no sentido de que a simples referência ao boletim de ocorrência não é suficiente para a comprovação da menoridade (da criança ou do adolescente). Por isso, a inserção do dado no boletim de ocorrência deve partir da pesquisa de algum documento válido.

O STJ mesmo esclareceu que, “(...) para ensejar a aplicação de causa de aumento de pena ou a condenação do réu, a qualificação constante do boletim de ocorrência deve trazer dados indicativos de consulta a documento hábil – como o número do documento de identidade, do CPF ou de outro registro formal, tal como a certidão de nascimento.
Por certo, além da qualificação perante a autoridade policial, a verificação da menoridade pode ser feita pela apresentação de documento oficial em que conste tal dado – certidão de nascimento, carteira de identidade, passaporte ou CPF, bem como folha de antecedentes infracionais, por exemplo.”

Dispositivos

Código Civil
Art. 9º Serão registrados em registro público:
I - os nascimentos, casamentos e óbitos;
II - a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz;
III - a interdição por incapacidade absoluta ou relativa;
IV - a sentença declaratória de ausência e de morte presumida.

Lei 11.343/2006
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um
(...)
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;
(...)

Lei 8.069/90
Art. 244-B.  Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

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Ementa

RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. TRÁFICO DE DROGAS. MAJORANTE. ENVOLVIMENTO DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE. CONFIGURAÇÃO. DOCUMENTO HÁBIL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O Código de Processo Penal estabelecia, em seu art. 155 - antes mesmo da edição da Lei n. 11.690/2008 -, que a prova quanto ao estado das pessoas deveria observar as restrições constantes da lei civil. Atualmente, o dispositivo prevê, em seu parágrafo único:
"Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil".
2. O Código Civil fixa, em seu art. 9º, a obrigatoriedade de registro, em assentamento público, dos seguintes acontecimentos: I - os nascimentos, casamentos e óbitos; II - a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz; III - a interdição por incapacidade absoluta ou relativa; IV - a sentença declaratória de ausência e de morte presumida.
3. A legislação pátria relativiza a exigência de registro, em assentamento público, para a comprovação de questões atinentes ao estado da pessoa. Exemplificativamente, o art. 3º da Lei n. 6.179/1974 dispõe: "A prova de idade será feita mediante certidão do registro civil ou por outro meio de prova admitido em direito, inclusive assento religioso ou carteira profissional emitida há mais de 10 (dez) anos".
4. Na mesma linha de raciocínio, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 74, em 15/4/1993. Confira-se o enunciado: "Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil".
5. Em diversas situações - redução do prazo prescricional, aplicação da atenuante do art. 65, I, do Código Penal, comprovação da idade de vítima de crimes contra a dignidade sexual -, a jurisprudência desta Corte Superior considera necessária, para a comprovação da idade, a referência a documento oficial que ateste a data de nascimento do envolvido - acusado ou vítima. Precedentes.
6. No julgamento dos EREsp n. 1.763.471/DF (Rel. Ministra Laurita Vaz, 3ª S., DJe 26/8/2019), a Terceira Seção desta Corte Superior sinalizou a impossibilidade de que a prova da idade da criança ou adolescente supostamente envolvido em prática criminosa ou vítima do delito de corrupção de menores ser atestada exclusivamente pelo registro de sua data de nascimento, em boletim de ocorrência, sem referência a um documento oficial do qual foi extraída tal informação (como certidão de nascimento, CPF, RG, ou outro).
6. De fato, soa ilógico que, para aplicar medidas favoráveis ao réu ou que visam ao resguardo da dignidade sexual da vítima, por exemplo, se exija comprovação documental e, para agravar a situação do acusado - ou até mesmo para justificar a própria condenação - se flexibilizem os requisitos para a demonstração da idade.
7. Na espécie, a análise do auto de prisão em flagrante permite verificar que, ao realizar a qualificação do menor, a autoridade policial menciona o número de seu documento de identidade e o órgão expedido, circunstância que evidencia que o registro de sua data de nascimento não foi baseado apenas em sua própria declaração, pois foi corroborado pela consulta em seu RG. Logo, deve ser restabelecida a incidência da majorante em questão.
8. Recurso provido para restabelecer a incidência da majorante prevista no inciso VI do art. 40 da Lei n. 11.343/2006 e, por conseguinte, readequar a pena imposta ao recorrido, nos termos do voto, assentando-se a seguinte tese: "Para ensejar a aplicação de causa de aumento de pena prevista no art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006 ou a condenação pela prática do crime previsto no art. 244-B da Lei n. 8.069/1990, a qualificação do menor, constante do boletim de ocorrência, deve trazer dados indicativos de consulta a documento hábil - como o número do documento de identidade, do CPF ou de outro registro formal, tal como a certidão de nascimento."
(ProAfR no REsp n. 1.619.265/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 7/4/2020, DJe de 18/5/2020.)

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