Recurso Repetitivo, Tema 1064. Inscrição em dívida de benefício previdenciário/assistencial pago indevidamente. Necessidade de lei autorizadora. STJ, Primeira Seção, REsp 1.852.691.
Por Flávio Borges
23 de junho de 2021
Tributário
Execução Fiscal
Previdenciário
Benefícios

Tese

1ª) As inscrições em dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente ou além do devido constituídos por processos administrativos que tenham sido iniciados antes da vigência da Medida Provisória nº 780, de 2017, convertida na Lei n. 13.494/2017 (antes de 22.05.2017), são nulas, devendo a constituição desses créditos ser reiniciada através de notificações/intimações administrativas a fim de permitir-se o contraditório administrativo e a ampla defesa aos devedores e, ao final, a inscrição em dívida ativa, obedecendo-se os prazos prescricionais aplicáveis; e
2ª) As inscrições em dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente ou além do devido contra os terceiros beneficiados que sabiam ou deveriam saber da origem dos benefícios pagos indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação, constituídos por processos administrativos que tenham sido iniciados antes da vigência da Medida Provisória nº 871, de 2019, convertida na Lei nº 13.846/2019 (antes de 18.01.2019), são nulas, devendo a constituição desses créditos ser reiniciada através de notificações/intimações administrativas a fim de permitir-se o contraditório administrativo e a ampla defesa aos devedores e, ao final, a inscrição em dívida ativa, obedecendo-se os prazos prescricionais aplicáveis.

Hipótese fática

O INSS ingressou com execução fiscal para cobrar por crédito previdenciário que havia sido indevidamente pago ao segurado/beneficiário. Mas o processo foi extinto sem resolução do mérito ao argumento de que, ao tempo em que o crédito foi inscrito em dívida ativa, não havia lei que autorizasse o ato. Seguiu-se o recurso de apelação, ao qual o TRF5 negou provimento, com a confirmação desse mesmo fundamento. O INSS, então, interpôs recurso especial (julgado como recurso repetitivo) levantando a tese de que, a partir do momento em que passou a existir lei autorizando a inscrição em dívida ativa de benefícios previdenciários/assistenciais pagos indevidamente (o que se deu com a MP 780/2017), as dívidas ativas anteriores a essa inovação legislativa seriam convalidadas e legitimamente cobradas.

Fundamentos

O STJ começou por lembrar a decisão tomada no REsp Repetitivo 1.350.804 (Tema 598), onde a Corte pontuou que a apuração do crédito (processo administrativo que gera o lançamento do débito) e a sua inscrição em dívida ativa pressupõem a existência de lei formal que expressamente autorize a prática desses atos. Por isso, como não existia qualquer lei formal que permitisse o lançamento e a inscrição em dívida ativa de um benefício previdenciário/assistencial pago indevidamente, o INSS não poderia proceder a esses atos nem ajuizar uma execução fiscal – o correto seria, portanto, o ajuizamento de uma ação de cobrança, com a ampla discussão em torno do pagamento indevido.

Em síntese, o STJ entendeu que a inscrição de um débito em dívida ativa exige: 1º) a presença de lei autorizativa para a apuração administrativa (constituição); 2º) a oportunização de contraditório prévio nessa apuração; e 3º) a presença de lei autorizativa para a realização dessa inscrição.

Diante da decisão emitida pelo STJ, a lei apareceu. Vieram a MP 780/2017 e a MP 871/2019, essa convertida na Lei 13.846/2019, dando nova redação ao art. 115, § 3º, da L. 8.212/91 (Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, para a execução judicial.).

Mas uma nova controvérsia surgiu: o INSS pretendeu convalidar de modo automático as dívidas ativas anteriores a essa novidade legislativa e assim prosseguir ou ajuizar as execuções fiscais.

O STJ entendeu, porém, que a legitimidade da inscrição na dívida ativa exige que o processo administrativo que vai apurar a existência do crédito seja iniciado apenas depois da vigência da lei autorizadora (que, no caso, aconteceu com a MP 780/2017).

A Corte lembrou que existem dois atos em jogo: um primeiro relativo à própria apuração do pagamento indevido, em procedimento que deve seguir o contraditório e a ampla defesa e que pode ser encerrado com o lançamento do débito; e um segundo ato, pertinente à inscrição do crédito na dívida ativa.

O STJ afirmou, no mais, que a inscrição anterior à lei autorizadora não pode ser convalidada (o que se daria com fundamento no art. 55 da L. 9.784/99). A convalidação de um ato administrativo pressupõe que o vício seja sanável e que não haja prejuízo a terceiros, requisitos que não se fazem presentes na hipótese, quer pelo evidente prejuízo que o segurado/beneficiário/terceiro terá com o ato, quer porque a ausência de lei é um vício insanável.

Ao fim, o STJ considerou que a legitimidade da inscrição na dívida ativa (no caso, de benefícios previdenciários/assistenciais) exige que tanto o processo administrativo de apuração do débito (praticado pelo INSS, com a notificação (que é o ato inicial) e o lançamento do débito (que é o ato final), quanto a inscrição do crédito na dívida ativa (que é feita pela Procuradoria-Geral Federal) sejam realizados a partir da vigência da lei autorizadora.

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Ementa

RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3. RECURSO REPETITIVO. TEMA CORRELATO AO TEMA N. 598 CONSTANTE DO REPETITIVO RESP. N. 1.350.804-PR. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO FINANCEIRO E PREVIDENCIÁRIO. DISCUSSÃO ACERCA DA POSSIBILIDADE DE INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INDEVIDAMENTE RECEBIDO, QUALIFICADO COMO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. APLICABILIDADE DOS §§3º E 4º, DO ART. 115, DA LEI N. 8.213/91, COM A REDAÇÃO DADA PELA MEDIDA PROVISÓRIA N. 780/2017 (LEI N. 13.494/2017) E MEDIDA PROVISÓRIA N. 871/2019 (LEI N. 13.846/2019) AOS PROCESSOS EM CURSO DONDE CONSTAM CRÉDITOS CONSTITUÍDOS ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DAS REFERIDAS LEIS. IMPOSSIBILIDADE.
1. O presente repetitivo Tema/Repetitivo n. 1064 é um desdobramento do Tema/Repetitivo n. 598, onde foi submetida a julgamento no âmbito do REsp. n. 1.350.804-PR (Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12.06.2013) a "Questão referente à possibilidade de inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário indevidamente recebido, qualificado como enriquecimento ilícito".
Naquela ocasião foi definido que a inscrição em dívida ativa de valor decorrente de ilícito extracontratual deve ser fundamentada em dispositivo legal específico que a autorize expressamente, o que impossibilitava a inscrição em dívida ativa de valor indevidamente recebido, a título de benefício previdenciário do INSS, pois não havia lei específica que assim o dispusesse. Essa lacuna de lei tornava ilegal o art. 154, §4º, II, do Decreto n. 3.048/99 que determinava a inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário pago indevidamente, já que não dispunha de amparo legal.
2. Pode-se colher da ratio decidendi do repetitivo REsp. n. 1.350.804-PR três requisitos prévios à inscrição em dívida ativa:
1º) a presença de lei autorizativa para a apuração administrativa (constituição); 2º) a oportunização de contraditório prévio nessa apuração; e 3º) a presença de lei autorizativa para a inscrição do débito em dívida ativa.
3. Após o advento da Medida Provisória n. 780/2017 (convertida na Lei n. 13.494/2017) a que se sucedeu a Medida Provisória n. 871/2019 (convertida na Lei n. 13.846/2019), que alteraram e adicionaram os §§ 3º, 4º e 5º ao art. 115, da Lei n. 8.213/91, foi determinada a inscrição em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal - PGF dos créditos constituídos pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive para terceiro beneficiado que sabia ou deveria saber da origem do benefício pago indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação.
4. Considerando-se as razões de decidir do repetitivo REsp. n. 1.350.804-PR, as alterações legais não podem retroagir para alcançar créditos constituídos (lançados) antes de sua vigência, indiferente, portanto, que a inscrição em dívida ativa tenha sido feita depois da vigência das respectivas alterações legislativas. O processo administrativo que enseja a constituição do crédito (lançamento) há que ter início (notificação para defesa) e término (lançamento) dentro da vigência das leis novas para que a inscrição em dívida ativa seja válida. Precedentes: REsp. n. 1.793.584/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 02.04.2019;
AREsp n. 1.669.577/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 04.08.2020; AREsp. n. 1.570.630 / SP, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12.11.2019; REsp. n. 1.826.472 / PE, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 15.10.2019; AREsp. n. 1.521.461 / RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 03.10.2019; REsp. n. 1.776.760 / SP, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23.04.2019;
AREsp n. 1.432.591/RJ, decisão monocrática, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 21.2.2019; REsp. n. 1.772.921/SC, Decisão monocrática, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 18.2.2019.
5. Desta forma, propõe-se as seguintes teses:
5.1. "As inscrições em dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente ou além do devido constituídos por processos administrativos que tenham sido iniciados antes da vigência da Medida Provisória nº 780, de 2017, convertida na Lei n. 13.494/2017 (antes de 22.05.2017) são nulas, devendo a constituição desses créditos ser reiniciada através de notificações/intimações administrativas a fim de permitir-se o contraditório administrativo e a ampla defesa aos devedores e, ao final, a inscrição em dívida ativa, obedecendo-se os prazos prescricionais aplicáveis"; e 5.2. "As inscrições em dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente ou além do devido contra os terceiros beneficiados que sabiam ou deveriam saber da origem dos benefícios pagos indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação, constituídos por processos administrativos que tenham sido iniciados antes da vigência da Medida Provisória nº 871, de 2019, convertida na Lei nº 13.846/2019 (antes de 18.01.2019) são nulas, devendo a constituição desses créditos ser reiniciada através de notificações/intimações administrativas a fim de permitir-se o contraditório administrativo e a ampla defesa aos devedores e, ao final, a inscrição em dívida ativa, obedecendo-se os prazos prescricionais aplicáveis".
6. Recurso especial não provido.
(REsp n. 1.852.691/PB, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 23/6/2021, DJe de 28/6/2021.)

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Recurso Repetitivo, Tema 1064. Inscrição em dívida de benefício previdenciário/assistencial pago indevidamente. Necessidade de lei autorizadora. STJ, Primeira Seção, REsp 1.852.691.