Recurso Repetitivo, Tema 1092. Habilitação de crédito da Fazenda Pública em processo de falência, mesmo que haja execução fiscal em curso. Possibilidade. STJ, Primeira Seção, REsp 1.872.759.
Por Flávio Borges
11 de janeiro de 2023
Tributário
Execução Fiscal
Empresarial
Falência e recuperação judicial e extrajudicial

Tese

Tema 1092. É possível a Fazenda Pública habilitar em processo de falência crédito objeto de execução fiscal em curso, mesmo antes da vigência da Lei 14.112/2020 e desde que não haja pedido de constrição no juízo executivo.

Hipótese fática

A União pleiteou a habilitação de um crédito em um processo de falência. O juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de habilitação. A União, então, interpôs agravo de instrumento contra a decisão. Mas o TJ/SP negou provimento ao agravo, com o argumento de que o crédito da União já era objeto de execução fiscal (regida pela L. 6.830/80), de modo que o ente público não poderia se valer de uma dupla garantia (a do executivo fiscal e, ao mesmo tempo, a da habilitação do crédito no processo de falência).

A União se insurgiu contra essa decisão do TJ/SP por meio de recurso especial, onde expôs que não estava se valendo de uma dupla garantia, na medida em que o processo de execução se encontrava suspenso e que, a rigor, quando essa ação foi ajuizada, a falência da empresa devedora ainda não havia sido decretada. Demais disso, a União argumentou que renunciou à penhora de bens na execução fiscal, o que reabria o interesse em ter seu crédito habilitado no processo de falência.

O recurso especial foi submetido à sistemática dos recursos repetitivos (inclusive com a habilitação de inúmeros amici curiae) e julgado pela Primeira Seção do STJ.

Fundamentos

O STJ começou por lembrar que, a partir da edição Lei 14.112/2020 (que acresceu o art. 7º-A à Lei 11.101/2005, que trata do processo de recuperação judicial e falência), ficou pontuada expressamente a possibilidade de a Fazenda Pública habilitar o seu crédito no processo de falência, hipótese em que as execuções fiscais eventualmente ajuizadas devem ficar suspensas.

O caso julgado pelo STJ, porém, cuidava de pedido de habilitação de crédito formulado antes dessa novidade legislativa.

Ainda assim, a Corte lembrou que já decidia pela possiblidade de a Fazenda Pública habilitar o seu crédito no processo de falência, ainda que houvesse execução fiscal em curso (de cobrança desse mesmo crédito).

A conclusão do STJ partia da interpretação sistemática do art. 187 do CTN (que diz que o crédito tributário não fica sujeito a concurso de credores) e da Lei 11.101/2005, a qual prevê que “O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.”

De acordo com o STJ, a melhor interpretação a recair sobre esses dispositivos é aquela que garante à Fazenda Pública a possibilidade de habilitar o seu crédito na falência, ainda que a execução fiscal já esteja em curso.

Mas vale lembrar que a exigência que a jurisprudência fazia dizia respeito ao produto do bem eventualmente penhorado na execução fiscal, que deveria ser repassado ao próprio processo de falência (para assim se respeitar o concurso universal de credores).

No mais, agora, o STJ pontuou expressamente que a habilitação do crédito fiscal no processo de falência exige que não haja, relativamente ao devedor falido, pedido de constrição de bens no processo da execução fiscal.

Dispositivos

Código Tributário Nacional
Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. (Redação dada pela LC nº 118, de 2005)

Lei 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal)
Art. 5º. A competência para processar e julgar a execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública exclui a de qualquer outro Juízo, inclusive o da falência, da concordata, da liquidação, da insolvência ou do inventário.

Art. 29. A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento.

Art. 38. A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de
mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do
ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor
do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora
e demais encargos.

Lei 11.101/2005 (Lei de Falência e Recuperação Judicial e Extrajudicial)
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:
[...]
§ 7º As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica. (Revogado pela Lei nº 14.112, de 2020)

Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
III - os créditos tributários, independentemente da sua natureza e do tempo de constituição, exceto os créditos extraconcursais e as multas tributárias; (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020)

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Ementa

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO FISCAL. FALÊNCIA. FAZENDA PÚBLICA. PEDIDO DE HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. POSSIBILIDADE.
1. A questão jurídica submetida ao Superior Tribunal de Justiça cinge-se à possibilidade da Fazenda Pública apresentar pedido de habilitação de crédito no juízo falimentar objeto de execução fiscal em curso, antes da alteração legislativa da Lei n. 11.101/2005 pela Lei n. 14.112/2020.
2. A execução fiscal é o procedimento pelo qual a Fazenda Pública cobra dívida tributária ou não tributária, sendo o Juízo da Execução o competente para decidir a respeito do tema.
3. O juízo falimentar, nos termos do que estabelece a Lei 11.101/2005, é "indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo".
4. A interpretação sistemática dos arts. 5º, 29 e 38 da Lei n. 6.830/1980, do art. 187 do CTN e do art. 76 da Lei n. 11.101/2005 revela que a execução fiscal e o pedido de habilitação de crédito no juízo falimentar coexistem, a fim de preservar o interesse maior, que é a satisfação do crédito, não podendo a prejudicialidade do processo falimentar ser confundida com falta de interesse de agir do ente público.
5. Para os fins do art. 1.039 do CPC, firma-se a seguinte tese: "É possível a Fazenda Pública habilitar em processo de falência crédito objeto de execução fiscal em curso, mesmo antes da vigência da Lei n. 14.112/2020 e desde que não haja pedido de constrição no juízo executivo".
6. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.872.759/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 18/11/2021, DJe de 25/11/2021.)

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Recurso Repetitivo, Tema 1092. Habilitação de crédito da Fazenda Pública em processo de falência, mesmo que haja execução fiscal em curso. Possibilidade. STJ, Primeira Seção, REsp 1.872.759.