Recurso Repetitivo, Tema 1103. Contribuição previdenciária paga com atraso. Critérios de incidência da multa e dos juros de mora. STJ, Primeira Seção, REsp 1.914.019.
Por Flávio Borges
11 de janeiro de 2023
Previdenciário
Financiamento da Seguridade Social

Tese

As contribuições previdenciárias não recolhidas no momento oportuno sofrerão o acréscimo de multa e de juros apenas quando o período a ser indenizado for posterior à edição da Medida Provisória 1.523/1996 (convertida na Lei 9.528/1997).

Hipótese fática

O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS ingressou com recurso especial (submetido ao rito dos recursos repetitivos) contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o qual entendeu que o recolhimento de contribuições previdenciárias não pagas na época própria apenas sofrerá a incidência de multa e de juros de mora quando o período a ser indenizado for posterior à MP 1.523/96, instituída em 11/10/96.

O recorrente argumentou que não há motivo para se fazer a distinção pronunciada pelo Tribunal de origem, de modo que o correto é se proceder ao pagamento das contribuições pagas com atraso com a incidência da multa e dos juros de mora.     

Fundamentos

O ponto definido pelo STJ dizia respeito à cobrança dos juros de mora e da multa quando do pagamento das contribuições previdenciárias recolhidas com atraso. 

A Corte, então, fixou a premissa da resolução do caso, para dizer que a incidência dos juros e da multa pressupõe a existência de lei que regule o tema expressamente.

Mas a norma que previu essa incidência – de juros de mora e de multa, relativamente às contribuições pagas com atraso – apenas surgiu com a MP 1.523/96, instituída em 11/10/96. Por isso, relativamente ao período anterior à MP 1.523/96, embora seja possível promover o pagamento das contribuições não recolhidas tempestivamente (ou seja, é possível pagar as contribuições com atraso), os valores a serem a recolhidos não podem ser acrescidos de juros de mora e de multa.

Nas palavras do próprio STJ, “A indenização pelo contribuinte dos períodos não recolhidos à época devida para usufruir de benefícios previdenciários já era possível desde o art. 32, § 3º, da Lei n.º 3.807/1960 (antiga LOPS), faculdade essa reafirmada no art. 96, IV, da Lei n.º 8.213/1991 e no Decreto n.º 611/1991 (que a regulamentou), e posteriormente na Lei n.º 9.032/95, a qual acrescentou o § 2º ao artigo 45 da Lei n.º 8.212/1991. No entanto, apenas a partir de 11/10/1996, quando foi editada a Medida Provisória n.º 1.523/1996 (posteriormente convertida na Lei n.º 9.528/1997), é que foi acrescentado o § 4º ao artigo 45 da Lei n.º 8.212/1991, determinando expressamente a incidência de juros moratórios de 1% ao mês e multa de 10% sobre os valores apurados. Somente a partir de então é que podem ser cobrados juros moratórios e multa, uma vez que não é possível realizar, como pretende o INSS, a cobrança de tais encargos sem previsão na legislação.”

No mais, o STJ lembrou que o ato de demandar contrariamente às teses fixadas em recursos repetitivos deve caracterizar litigância de má-fé, consoante estas observações feitas em texto doutrinário de autoria de Frederico Augusto Leopoldino Koehler (Pretensão ou defesa contra precedente vinculante nos juizados especiais: consequências da caracterização como litigância de má-fé. In: GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira; CUNHA, Maurício Ferreira (Coords.). Juizados Especiais Cíveis Estaduais: reflexões e perspectivas nos 25 anos da Lei n. 9.099/1995. Londrina: Thoth, 2021, Capítulo X.):

“Eis algumas das respostas a que chegamos nesse estudo: 1) é necessário aplicar a configuração da litigância de má-fé não apenas quando se tratar de recurso protelatório, mas também em caso de ação ou defesa apresentados contra precedentes obrigatórios; 2) a litigância de má-fé se caracteriza com base no art. 77, inciso II, bem como no art. 80, incisos V e VI do CPC, mas não com base no art. 80, inciso I; 3) a parte que postule contra precedente vinculante e não proponha distinção ou superaçãoou o faça de forma claramente inadequada ou descabida – incide em litigância de má-fé, desde que previamente intimada com base no art. 10 do CPC.”

Dispositivos

Código de Processo Civil
Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
VII - informar e manter atualizados seus dados cadastrais perante os órgãos do Poder Judiciário e, no caso do § 6º do art. 246 deste Código, da Administração Tributária, para recebimento de citações e intimações.    (Incluído pela Lei nº 14.195, de 2021)
§ 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.
§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.
§ 3º Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2º será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97.
§ 4º A multa estabelecida no § 2º poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1º, e 536, § 1º.
§ 5º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2º poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.
§ 6º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2º a 5º, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.
§ 7º Reconhecida violação ao disposto no inciso VI, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação do § 2º.
§ 8º O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar.

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II – alterar a verdade dos fatos;
III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI – provocar incidente manifestamente infundado;
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

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Ementa

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS NÃO RECOLHIDAS NO MOMENTO OPORTUNO. ACRÉSCIMO DE MULTA E DE JUROS. INCIDÊNCIA APENAS QUANDO O PERÍODO A SER INDENIZADO FOR POSTERIOR À EDIÇÃO DA MP N.º 1.523/1996. ART. 1º DA MP N.º 1.523/1996 (CONVERTIDA NA LEI N.º 9.528/1997). INCLUSÃO DO § 4º NO ARTIGO 45 DA LEI N.º 8.212/1991. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. RECURSO JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DO ART. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015, C/C O ART. 256-N E SEGUINTES DO REGIMENTO INTERNO DO STJ.
1. O objeto da presente demanda é definir se as contribuições previdenciárias não recolhidas no momento oportuno sofrerão o acréscimo de multa e de juros quando o período a ser indenizado for anterior à edição da Medida Provisória n.º 1.523/1996 (convertida na Lei n.º 9.528/1997).
2. Inicialmente, rejeito a alegada violação do art. 1.022 do CPC, pois, embora de forma contrária à tese defendida pelo recorrente, o Tribunal de origem analisou todos os aspectos essenciais da controvérsia, não incidindo em omissão.
3. A indenização pelo contribuinte dos períodos não recolhidos à época devida para usufruir de benefícios previdenciários já era possível desde o art. 32, § 3º, da Lei n.º 3.807/1960 (antiga LOPS), faculdade essa reafirmada no art. 96, IV, da Lei n.º 8.213/1991 e no Decreto n.º 611/1991 (que a regulamentou), e posteriormente na Lei n.º 9.032/1995, a qual acrescentou o § 2º ao artigo 45 da Lei n. º 8.212/1991.
4. No entanto, apenas a partir de 11/10/1996, quando foi editada a Medida Provisória n.º 1.523/1996 (posteriormente convertida na Lei n.º 9.528/1997), é que foi acrescentado o § 4º ao artigo 45 da Lei n.º 8.212/1991, determinando expressamente a incidência de juros moratórios de 1% ao mês e multa de 10% sobre os valores apurados.
Somente a partir de então é que podem ser cobrados juros moratórios e multa, uma vez que não é possível realizar, como pretende o INSS, a cobrança de tais encargos sem previsão na legislação. Nenhum dos dispositivos legais indicados pela parte recorrente, frise-se, trata da incidência de juros moratórios e multa sobre os períodos não recolhidos à época devida. Também descabe cogitar de cobrança dos encargos em caráter retroativo, devendo haver a incidência apenas quando o período a ser indenizado for posterior à edição da Medida Provisória n.º 1.523/1996. Precedentes do STJ.
5. Como se vê, a jurisprudência do STJ tratando do caso concreto é pacífica há bastante tempo. Mais recentemente, inclusive, é rotineiro o proferimento de decisões monocráticas aplicando o entendimento dominante, como se pode conferir em rápida pesquisa na jurisprudência da Corte. A necessidade de afetar o tema como repetitivo se deve à insistência do INSS na interposição de recursos trazendo a mesma temática repetidas vezes a esta Corte. Após firmar-se o precedente vinculante em recurso repetitivo, os tribunais locais terão o instrumental para evitar a subida de recursos ao STJ, e o Poder Judiciário deverá considerar como litigância de má-fé a eventual postulação contra precedente vinculante.
6. Não se configura presente a necessidade de modulação dos efeitos do julgado, tendo em vista que tal instituto visa a assegurar a efetivação do princípio da segurança jurídica, impedindo que o jurisdicionado de boa-fé seja prejudicado por seguir entendimento dominante que terminou sendo superado em momento posterior, o que, como se vê claramente, não ocorreu no caso concreto.
7. Tese jurídica firmada: "As contribuições previdenciárias não recolhidas no momento oportuno sofrerão o acréscimo de multa e de juros apenas quando o período a ser indenizado for posterior à edição da Medida Provisória n.º 1.523/1996 (convertida na Lei n.º 9.528/1997)".
8. Recurso especial conhecido e improvido, mantendo-se íntegro o acórdão recorrido, nos termos da fundamentação.
9 . Recurso julgado sob a sistemática do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e art. 256-N e seguintes do Regimento Interno deste STJ.
(REsp n. 1.914.019/SC, relator Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 11/5/2022, DJe de 20/5/2022.)

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Recurso Repetitivo, Tema 1103. Contribuição previdenciária paga com atraso. Critérios de incidência da multa e dos juros de mora. STJ, Primeira Seção, REsp 1.914.019.