Recurso Repetitivo, Tema 1202. Estupro de vulnerável. Crime continuado. Impossibilidade de se determinar com precisão a quantidade de delitos cometidos. Cabimento do aumento máximo de pena. STJ, REsp 2.029.482, julgado em 17/10/2023, Informativo 792.
Por Flávio Borges
27 de outubro de 2023
Penal
Parte Especial do CP

Tese

No crime de estupro de vulnerável, é possível a aplicação da fração máxima de majoração prevista no art. 71, caput, do Código Penal, ainda que não haja a delimitação precisa do número de atos sexuais praticados, desde que o longo período de tempo e a recorrência das condutas permita concluir que houve 7 (sete) ou mais repetições.

Hipótese fática

O Ministério Público do Rio de Janeiro interpôs recurso especial contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça daquele mesmo Estado, que deixou de aplicar o percentual máximo do aumento de pena da continuidade delitiva em caso de estupro de vulnerável.

O MPRJ argumentou que a aplicação da fração máxima de aumento de pena do crime continuado não fica vinculada à “delimitação específica de cada uma das condutas sexuais praticadas, sendo possível que se constate o elevado número de crimes com base no longo período no qual ocorreram os fatos.”

Fundamentos

A controvérsia estabelecida no caso concreto dizia respeito à possibilidade de se aplicar o aumento máximo da pena no caso de crime continuado, mesmo quando não se saiba de modo exato quantas foram as condutas delitivas praticados pelo réu.

O instituto do crime continuado tem previsão no art. 71 do Código Penal. Ele se dá quando “quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro,”

O STJ tem dito que, se são duas as condutas praticadas, o aumento da pena fica no patamar mínimo de 1/6. E, quanto mais crimes forem cometidos, maior o percentual de aumento a ser utilizado. A partir de sete condutas criminosas, o STJ autoriza a incidência do percentual máximo de aumento de pena, situado na fração de 2/3.

O problema é que, no caso do estupro de vulnerável. há dificuldade intensa de se determinar de modo exato a quantidade de condutas praticadas, sobretudo porque, na maior parte das vezes, os crimes são cometidos no próprio ambiente familiar.

O STJ levou em conta, por isso mesmo, aspectos bastante pragmáticos.

A rigor, de acordo com os dados levantados para essa espécie de delito:

“A residência continua sendo o local mais perigoso, onde 72,2% dos casos ocorrem. O local do crime á facilmente compreendido quando se sabe que, em 71,5% das vezes, o estupro é cometido por um familiar. Sim, dos estupros registrados com autoria, 44,4% foram cometidos por pais ou padrastos; 7,4% por avós; 7,7% por tios; 3,8% por primos; 3,4 % por irmãos; e 4,8% por outros familiares. Importante registrar que 1,8% dos casos apontam a mãe ou madrasta como autora da violência. Eu apostaria que em boa parte desses registros a mãe é parceira do companheiro no estupro, mas não temos este dado.”

Mais adiante, o STJ pontuou que:

“Não raras vezes, cria-se um ambiente de submissão perene da vítima ao agressor, naturalizando-se a repetição da violência sexual como parte da rotina de crianças e adolescentes. Nessas hipóteses, a vítima, completamente subjugada e objetificada, não possui sequer condições de quantificar quantas vezes foi violentada. A violência contra ela deixou ser um fato extraordinário, convertendo-se no modo cotidiano de vida que lhe foi imposto.”

Esses elementos foram levados em conta, portanto, para a fixação do entendimento de que não é necessário se estabelecer o número exato de condutas praticadas para o fim de se aplicar o aumento da continuidade delitiva nos crimes de estupro de vulnerável.

Mas é preciso, de todo modo, que haja uma análise do período de tempo e da recorrência das condutas delitivas, de forma a permitir o aumento pela fração máxima (2/3), caso haja uma conclusão inequívoca de que houve sete ou mais repetições do crime.

No caso concreto, pelos próprios depoimentos da vítima, ficou estabelecido que o crime foi praticado pelo menos por 4 anos (dos 11 aos 15 anos da vítima), o que resultou na conclusão inequívoca de que as condutas criminosas excutadas superaram bastante o parâmetro de sete crimes - apto a permitir o aumento pela continuidade delitiva na fração máxima.

Dispositivos

Código Penal
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

Recurso Repetitivo, Tema 1202. Estupro de vulnerável. Crime continuado. Impossibilidade de se determinar com precisão a quantidade de delitos cometidos. Cabimento do aumento máximo de pena. STJ, REsp 2.029.482, julgado em 17/10/2023, Informativo 792.