Tese
À mingua de lei expressa, a inscrição em dívida ativa não é a forma de cobrança adequada para os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário previstos no art. 115, II, da Lei n. 8.213/91 que devem submeter-se a ação de cobrança por enriquecimento ilícito para apuração da responsabilidade civil.
Hipótese fática
O INSS propôs execução fiscal para cobrar benefício previdenciário que alegava ter sido pago indevidamente ao segurado. O juízo de primeiro grau, porém, extinguiu o processo sem resolução de mérito, com o entendimento de que o INSS não poderia inscrever esse tipo de débito em dívida ativa, diante da ausência de lei que o autorizasse. Seguiu-se a interposição de apelação, à qual o TRF4 negou provimento. O INSS, então, interpôs recurso especial, julgado na sistemática dos recursos repetitivos, expondo a tese de que a legislação (Lei 4.320/64) autoriza que os benefícios previdenciários/assistenciais pagos indevidamente (ou em valores superiores ao devido) sejam inscritos em dívida ativa e submetidos a uma execução fiscal.
Fundamentos
O STJ começou por estabelecer a premissa de que (ao tempo do julgamento) não havia qualquer lei que autorizasse a inscrição em dívida ativa (procedimento de certificação de uma dívida em favor da Fazenda Pública, valor que pode ter natureza tributária ou não tributária, conforme previsto no art. 1º da L. 6.830/80) de benefícios previdenciários/assistenciais pagos indevidamente, o que, por consequência, também impedia o ajuizamento de uma execução fiscal.
A Corte afastou o argumento do INSS, que pretendia usar os arts. 46 e 47 da Lei 8.112/90 para justificar a inscrição desses valores em dívida ativa. O STJ explicou que esses dispositivos são pertinentes aos servidores públicos, e não aos beneficiários do Regime Geral da Previdência Social, e que esse tema não pode ser resolvido pela analogia – é preciso, portanto, que haja uma lei específica a autorizar a inscrição em dívida ativa de um dado tipo de débito.
Demais disso, o art. 115 da L. 8.213/91, na redação que vigia ao tempo do julgamento, apenas permitia o desconto dos valores pagos indevidamente no próprio benefício que estivesse ativo – mas não havia norma autorizadora da inscrição desse débito para a promoção de uma execução fiscal.
Daí a ilegalidade do art. 154, II, a e b, do Decreto 3.048/99, que, sem lei autorizadora, previa esse procedimento de inscrição em dívida ativa.
Por isso, na impossibilidade de se fazer o desconto no próprio benefício pago, e diante dessa tese da inviabilidade de se entrar com uma execução fiscal, restaria ao INSS o ajuizamento de uma ação de conhecimento de cobrança para reaver os valores indevidamente pagos.
Não custa pontuar, de resto, que o tema recebeu uma outra configuração, tendo em vista a nova redação atribuída ao art. 115, § 3º, da Lei 8.213/91 (conforme a Lei 13.846/2019). Agora, os benefícios previdenciários/assistenciais pagos indevidamente podem sim ser objeto de inscrição em dívida ativa (porque a lei passou expressamente a autorizar), desde que ela seja antecedida de um processo administrativo em que garantido o contraditório.
O STJ também decidiu (REsp 1.852.691, Tema 1064), de resto, que a validade dessa inscrição pressupõe que o processo administrativo seja aberto já na vigência da lei autorizadora (o que aconteceu a partir da MP 780/2017).
Dispositivos
Lei 8.213/91
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
II - pagamento de benefício além do devido;
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019) (...)
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, DO CPC). BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INDEVIDAMENTE PAGO QUALIFICADO COMO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. ART. 154, §2º, DO DECRETO N. 3.048/99 QUE EXTRAPOLA O ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE DE INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA POR AUSÊNCIA DE LEI EXPRESSA. NÃO INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. EXECUÇÃO FISCAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA.
1. Não cabe agravo regimental de decisão que afeta o recurso como representativo da controvérsia em razão de falta de previsão legal.
Caso em que aplicável o princípio da taxatividade recursal, ausência do interesse em recorrer, e prejuízo do julgamento do agravo regimental em razão da inexorável apreciação do mérito do recurso especial do agravante pelo órgão colegiado.
2. À mingua de lei expressa, a inscrição em dívida ativa não é a forma de cobrança adequada para os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário previstos no art. 115, II, da Lei n. 8.213/91 que devem submeter-se a ação de cobrança por enriquecimento ilícito para apuração da responsabilidade civil.
Precedentes: REsp. nº 867.718 - PR, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 18.12.2008; REsp. nº 440.540 - SC, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 6.11.2003; AgRg no AREsp. n. 225.034/BA, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 07.02.2013; AgRg no AREsp. 252.328/CE, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18.12.2012;
REsp. 132.2051/RO, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23.10.2012; AgRg no AREsp 188047/AM, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 04.10.2012; AgRg no REsp. n. 800.405 - SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 01.12.2009.
3. Situação em que a Procuradoria-Geral Federal - PGF defende a possibilidade de inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário indevidamente recebido por particular, qualificado na certidão de inscrição em divida ativa na hipótese prevista no art. 115, II, da Lei n. 8.213/91, que se refere a benefício pago além do devido, art. 154, §2º, do Decreto n. 3.048/99, que se refere à restituição de uma só vez nos casos de dolo, fraude ou má-fé, e artigos 876, 884 e 885, do CC/2002, que se referem a enriquecimento ilícito.
4. Não há na lei própria do INSS (Lei n. 8.213/91) dispositivo legal semelhante ao que consta do parágrafo único do art. 47, da Lei n. 8.112/90. Sendo assim, o art. 154, §4º, II, do Decreto n. 3.048/99 que determina a inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário pago indevidamente não encontra amparo legal.
5. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
(REsp n. 1.350.804/PR, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 12/6/2013, DJe de 28/6/2013.)