Tese
À mingua de lei expressa, a inscrição em dívida ativa não é a forma de cobrança adequada para os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário previstos no art. 115, II, da Lei n. 8.213/91 que devem submeter-se a ação de cobrança por enriquecimento ilícito para apuração da responsabilidade civil.
Hipótese fática
O INSS interpôs recurso especial contra um acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que, ao julgar uma apelação, confirmou a sentença de primeiro grau, para extinguir a execução movida para cobrar benefícios previdenciários pagos indevidamente. A Corte de segundo grau entendeu que não existia previsão legal para que os benefícios pagos indevidamente fossem inscritos em dívida ativa.
O recorrente, porém, defendeu a tese de que tanto as dívidas tributárias como as não tributárias, de que é exemplo o benefício previdenciário pago indevidamente, podem ser objeto de inscrição em dívida ativa e, por consequência, de execução fiscal.
O recurso, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, foi julgado pela Primeira Seção do STJ.
Fundamentos
O ponto a ser decidido dizia respeito à possibilidade de inscrever em dívida ativa os benefícios previdenciários pagos indevidamente.
O STJ deu resposta negativa ao problema. A Corte lembrou que a inscrição em dívida ativa pressupõe que haja uma lei que expressamente autorize o procedimento relativamente a um dado débito.
É o que acontece no âmbito do direito tributário, e é o que também acontece com as verbas indevidamente pagas a servidores públicos, conforme, nesse caso, a autorização inserida no art. 47, parágrafo único, da Lei 8.112/90.
O STJ entendeu, contudo, que o tema não comporta a aplicação da analogia. Por isso, se a autorização indicada nesse art. 47, parágrafo único, da L. 8.112/90 se aplica apenas aos servidores públicos, não podendo abranger os segurados do Regime Geral da Previdência Social, que possuem relação com o INSS.
Não há, por outro lado, qualquer regra que autorize expressamente a inscrição em dívida ativa de benefícios previdenciários do Regime Geral da Previdência Social pagos indevidamente a segurados ou a dependentes.
A forma de cobrança desses valores, portanto, deve seguir as estritas determinações da lei, de modo que é possível promover o desconto direto do valor no próprio benefício pago (de modo parcelado ou, no caso de má-fé, à vista). Se, entretanto, esse desconto no benefício pago não se revelar viável (porque, por exemplo, o benefício não está mais sendo pago), resta ao INSS entrar com uma ação de cobrança (ação de conhecimento), sendo-lhe vedado ingressar de logo com uma execução fiscal.
De acordo com o STJ, “Pensar de modo diferente significaria abolir a existência da ação condenatória para os entes públicos e permitir-lhes a formação unilateral do título executivo, sem fundamento legal ou contratual prévio, em todas as relações de direito público e privado de que participem, o que gera enorme insegurança jurídica.”
Mas esse estado de coisas mudou com a edição da MP 780/2017 e da MP 871/2019, essa convertida na Lei 13.846/2019,que deu nova redação ao art. 115, § 3º, da L. 8.212/91 (Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, para a execução judicial.).
A partir daí, portanto, passou-se a admitir a inscrição em dívida ativa dos benefícios previdenciários pagos indevidamente.
Seja como for, e de acordo com o que o STJ decidiu no Tema 1064, o processo administrativo que vai gerar a inscrição em dívida ativa precisa ser aberto a partir da vigência dessa MP 780/2017. Por isso, eventual inscrição em dívida ativa (desse tipo de débito) feita antes da vigência da norma autorizadora é nula e não pode ser convalidada.
Dispositivos
Lei 8.213/91
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: (...)
§ 3º Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em razão de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, hipótese em que se aplica o disposto na Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, para a execução judicial. (Incluído pela Medida Provisória nº 780, de 2017)
§ 3º Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em razão de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, hipótese em que se aplica o disposto na Lei no 6.830, de 22 de setembro de 1980, para a execução judicial. (Incluído pela Lei nº 13.494, de 2017)
§ 3º Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto na Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, para a execução judicial. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
§ 3º Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, para a execução judicial.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, DO CPC). BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INDEVIDAMENTE PAGO QUALIFICADO COMO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. ART. 154, §2º, DO DECRETO N. 3.048/99 QUE EXTRAPOLA O ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE DE INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA POR AUSÊNCIA DE LEI EXPRESSA. NÃO INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. EXECUÇÃO FISCAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA.
1. Não cabe agravo regimental de decisão que afeta o recurso como representativo da controvérsia em razão de falta de previsão legal.
Caso em que aplicável o princípio da taxatividade recursal, ausência do interesse em recorrer, e prejuízo do julgamento do agravo regimental em razão da inexorável apreciação do mérito do recurso especial do agravante pelo órgão colegiado.
2. À mingua de lei expressa, a inscrição em dívida ativa não é a forma de cobrança adequada para os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário previstos no art. 115, II, da Lei n. 8.213/91 que devem submeter-se a ação de cobrança por enriquecimento ilícito para apuração da responsabilidade civil.
Precedentes: REsp. nº 867.718 - PR, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 18.12.2008; REsp. nº 440.540 - SC, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 6.11.2003; AgRg no AREsp. n. 225.034/BA, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 07.02.2013; AgRg no AREsp. 252.328/CE, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18.12.2012;
REsp. 132.2051/RO, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23.10.2012; AgRg no AREsp 188047/AM, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 04.10.2012; AgRg no REsp. n. 800.405 - SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 01.12.2009.
3. Situação em que a Procuradoria-Geral Federal - PGF defende a possibilidade de inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário indevidamente recebido por particular, qualificado na certidão de inscrição em divida ativa na hipótese prevista no art. 115, II, da Lei n. 8.213/91, que se refere a benefício pago além do devido, art. 154, §2º, do Decreto n. 3.048/99, que se refere à restituição de uma só vez nos casos de dolo, fraude ou má-fé, e artigos 876, 884 e 885, do CC/2002, que se referem a enriquecimento ilícito.
4. Não há na lei própria do INSS (Lei n. 8.213/91) dispositivo legal semelhante ao que consta do parágrafo único do art. 47, da Lei n. 8.112/90. Sendo assim, o art. 154, §4º, II, do Decreto n. 3.048/99 que determina a inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário pago indevidamente não encontra amparo legal.
5. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
(REsp n. 1.350.804/PR, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 12/6/2013, DJe de 28/6/2013.)