Recurso Repetitivo, Tema 629. Ação previdenciária. Documentos essenciais. Ausência. Extinção sem resolução do mérito. STJ, Corte Especial, REsp 1.352.721.
Por Flávio Borges
19 de janeiro de 2023
Processo civil
Formação, suspensão e extinção do processo
Previdenciário
Benefícios

Tese

A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários a tal iniciativa.

Hipótese fática

O INSS interpôs recurso especial contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o qual entendeu que a ausência de juntada de provas materiais do exercício da atividade rural por parte do demandante produz a extinção do processo sem resolução do mérito, motivada pela falta de documentos essenciais à propositura da demanda.

O recorrente argumentou que a ausência de documento relativos ao trabalho rural da parte autora deveria produzir a improcedência do pedido, e não a extinção do feito sem resolução do mérito.

Fundamentos

A questão definida pelo STJ dizia respeito à modalidade de extinção do processo que deveria ser aplicada quando a parte deixasse de juntar documentos aptos à comprovação do tempo de serviço rural, a revelar se o caso deve trazer uma extinção do processo com ou sem resolução do mérito.

O STJ começou por lembrar as regras clássicas do direito processual civil, segundo as quais os fatos constitutivos do direito do autor devem ser por ele demonstrados, ao passo que os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor devem ser demonstrados pelo réu – ressalvada a possibilidade de haver a inversão do ônus da prova, quer pela via negocial, quer pela imposição da lei.

Nesses casos, se o autor não demonstra o fato constitutivo do seu direito, a consequência normal é a improcedência do pedido, com a formação da coisa julgada material – o que impede que o demandante repita esse mesmo pedido em uma outra ação.

Mas a Corte avançou para dizer que essas regras não poderiam ser aplicadas no Direito Previdenciário, cuja lógica social impõe uma visão mais protetiva.

Nas palavras do STJ, “não se desconhece as dificuldades enfrentadas pelo segurado para comprovar documentalmente que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício, uma vez que normalmente se referem a fatos que remontam considerável transcurso de tempo.”

Daí a necessidade de que as normas previdenciárias sejam “interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do trabalhador segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.

O STJ concluiu, portanto, que a ausência de documentos a indicar o exercício do trabalho rural se enquadra na ausência de documentos essenciais à propositura da demanda (art. 283 do CPC/73, correspondente ao art. 320 do CPC/2015), algo que produz a extinção do processo sem resolução do mérito.

Dispositivos

Código de Processo Civil de 1973
Art. 283. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.

Código de Processo Civil de 2015
Art. 320. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.

Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.
Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:
I - indeferir a petição inicial;
(...)

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Ementa

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido.
(REsp n. 1.352.721/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, julgado em 16/12/2015, DJe de 28/4/2016.)

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Recurso Repetitivo, Tema 629. Ação previdenciária. Documentos essenciais. Ausência. Extinção sem resolução do mérito. STJ, Corte Especial, REsp 1.352.721.