Recurso Repetitivo, Tema 886. Legitimidade para responder por dívidas condominiais. Vendedor ou comprador. STJ, Segunda Seção, REsp 1.345.331.
Por Flávio Borges
17 de janeiro de 2023
Processo civil
Jurisdição e Ação
Civil
Direito das coisas

Tese

a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de venda e compra, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do Condomínio acerca da transação;
b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto;
c) Se restar comprovado:
(i) que o promissário comprador imitira-se na posse; e
(ii) o Condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador.

Hipótese fática

O Condomínio Edifício Dona Anita ajuizou ação de cobrança de cotas condominiais contra um dado condômino. O pedido foi julgado procedente e, tendo a sentença transitado em julgado, avançou-se para o seu cumprimento, momento o próprio imóvel (que deu origem às cotas condominiais) foi penhorado. Daí sucedeu a interposição de embargos de terceiro por parte dos adquirentes desse bem, que alegaram não o terem levado a registro apenas por conta de um problema no financiamento, mas, ainda assim, eram os seus legítimos possuidores.

Os embargos de terceiro foram julgados improcedentes e o TJ/RS negou provimento à apelação que se seguiu. De acordo com o TJ/RS, as cotas condominiais existem em função do imóvel, podendo ser cobradas tanto do vendedor do bem como do seu adquirente; a Corte de segundo grau, de resto, afirmou que a dívida relativa à cota de condomínio não impede a penhora sobre o bem de família (exceção à regra da impenhorabilidade), conforme dispõe o art. 3º, IV, da Lei 8.009/90.

Os adquirentes do bem (autores dos embargos de terceiro), então, interpuseram recurso especial, com o fundamento de que a ação de cobrança foi ajuizada contra parte ilegítima; defenderam, por isso, que a legitimidade para figurar na ação em que se cobram cotas condominiais é definida pela imissão na posse, algo que eles há muito detinham.

O recurso foi submetido ao rito dos repetitivos e julgado pela Segunda Seção do STJ.

Fundamentos

A controvérsia definida pelo STJ dizia respeito à legitimidade para responder pela cobrança de cotas condominiais em hipótese em que o imóvel é vendido: se o vendedor ou o adquirente do bem.

O STJ começou por esclarecer que as cotas condominiais são uma espécie de obrigação propter rem, exatamente porque elas se vinculam ao imóvel – e existem em razão do bem.

Daí a afirmação no sentido de que, levando em conta esse caráter propter rem das cotas condominiais, “a responsabilidade pelas despesas de condomínio, ante a existência de promessa de compra e venda, pode recair tanto sobre o promissário comprador quanto sobre o promitente vendedor, a depender das circunstâncias do caso concreto.”

Isso não significa, porém, que o autor da ação de cobrança pode escolher livremente quem vai figurar no polo passivo do processo, porque essa definição vai depender dos detalhes da hipótese julgada. Também não é relevante que o compromisso de compra e venda tenha sido registrado em cartório, pois não é aquele que figura no registro do imóvel que vai ser necessariamente demandado.

O STJ, com isso, adotou a primeira conclusão em torno do tema: se o promissário comprador se imitiu na posse do bem e o condomínio teve ciência inequívoca da transação, deve-se afastar a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador.

Nas palavras do próprio STJ, “o que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de venda e compra, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse e pela ciência do credor acerca da transação.”

Se, por outro lado, existe um compromisso de compra a venda (mesmo que ele não tenha sido levado a registro), a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais vai depender das circunstâncias do caso concreto: se o comprador já entrou na posse do bem e o condomínio tem conhecimento dessa posse, é o próprio comprador quem deve pagar as cotas (detendo legitimidade, portanto, para figurar no polo passivo da ação de cobrança); caso contrário (se o comprador ainda não entrou na posse do bem ou se, tendo entrado, o condomínio não tomou conhecimento do fato), é o vendedor quem detém legitimidade para pagá-las.

Dispositivos

Código de Processo Civil de 2015
Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.
§ 1º Os embargos podem ser de terceiro proprietário, inclusive fiduciário, ou possuidor.
§ 2º Considera-se terceiro, para ajuizamento dos embargos:
I - o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação, ressalvado o disposto no art. 843;
II - o adquirente de bens cuja constrição decorreu de decisão que declara a ineficácia da alienação realizada em fraude à execução;
III - quem sofre constrição judicial de seus bens por força de desconsideração da personalidade jurídica, de cujo incidente não fez parte;
IV - o credor com garantia real para obstar expropriação judicial do objeto de direito real de garantia, caso não tenha sido intimado, nos termos legais dos atos expropriatórios respectivos.

STJ, Súmula 84
É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro.

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Ementa

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. CONDOMÍNIO. DESPESAS COMUNS. AÇÃO DE COBRANÇA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO LEVADO A REGISTRO. LEGITIMIDADE PASSIVA. PROMITENTE VENDEDOR OU PROMISSÁRIO COMPRADOR. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. IMISSÃO NA POSSE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firmam-se as seguintes teses:
a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação.
b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto.
c) Se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitira na posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador.
2. No caso concreto, recurso especial não provido.
(REsp n. 1.345.331/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 8/4/2015, DJe de 20/4/2015.)

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Recurso Repetitivo, Tema 886. Legitimidade para responder por dívidas condominiais. Vendedor ou comprador. STJ, Segunda Seção, REsp 1.345.331.