Recurso Repetitivo, Tema 967. Ação de consignação em pagamento. Pagamento parcial. Sentença de improcedência do pedido. Formação de título executivo em nome do réu (credor). STJ, Segunda Seção, REsp 1.108.058.
Por Flávio Borges
05 de abril de 2022
Processo civil

Tese

Em ação consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois o pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional.

Hipótese Fática

O devedor de um contrato de empréstimo ajuizou, contra uma instituição financeira, ação de consignação em pagamento com vistas a depositar o valor da dívida que possuía com o banco. A sentença prolatada, porém, entendeu que o depósito realizado era inferior ao débito (houve apenas um depósito parcial), o que levava ao julgamento pela improcedência do pedido. O TJ/DF confirmou a sentença de primeiro grau e o caso chegou ao STJ por meio de recurso especial, tendo em vista que o devedor desejava que a sentença proclamasse a procedência parcial do pedido.

Fundamentos

A controvérsia decidida pelo STJ dizia respeito ao tipo de sentença que deve ser proferida na ação de consignação em pagamento quando o depósito efetuado pelo autor (devedor na relação contratual) é considerado insuficiente/parcial: se se trata de sentença pela procedência parcial do pedido ou se o caso é de sentença de improcedência.

O STJ, então, partiu da premissa de que o pagamento apenas extingue a obrigação quando feito integralmente – e quando respeite as exigências de tempo, modo e lugar. O pagamento parcial não extingue a obrigação. E a recusa do credor em receber pagamento que não seja integral é legítima.

A Corte ainda levou em conta que o sistema jurídico brasileiro não admite a chamada mora simultânea. Em outras palavras: o devedor e o credor não podem estar em mora ao mesmo tempo (atraso para pagar ou para aceitar o pagamento). Então, se o pagamento ofertado pelo devedor é parcial, e ele não serve, portanto, para extinguir a obrigação, é o próprio devedor que está em mora (o autor da ação de consignação em pagamento). O credor (réu da ação de consignação) não é obrigado a receber esse pagamento.

Conforme o STJ esclareceu, “como o credor não é obrigado a receber em termos diversos do contratado e como a consignação equivale ao pagamento, a inferência lógica e tecnicamente
correta é que, na consignação em pagamento, o depósito deve ser feito no valor exato que serviria ao pronto pagamento, sob pena de legitimar a recusa do credor e caracterizar a mora do devedor. Pagamento parcial não é pagamento; depósito parcial na consignação não equivale a pagamento; nesses casos, a recusa do credor em receber é inteiramente correta e deve ser prestigiada pelo direito.”

E mais adiante: “é importante ressaltar que, na ação de consignação em pagamento fundada em dúvida quanto ao quantum debeatur, o julgamento de improcedência do pedido faz com que todos os efeitos da mora se produzam em relação ao devedor, inclusive no que diz respeito à parcela consignada. Exatamente nesse sentido, Pontes de Miranda explica que, ‘se o devedor deposita parte e o credor recusa o depósito, não se dá mora do credor, e o devedor fica em mora pelo todo, inclusive quanto à parte depositada.’”

Por isso a conclusão do STJ: se o credor não é obrigado a receber pagamento parcial, e se, havendo recusa legítima, o devedor continua em mora (que incide sobre o todo, e não sobre a parte não depositada), a sentença que reconhece o depósito parcial é uma sentença de improcedência, com o ônus de sucumbência recaindo sobre o autor.

Demais disso, o fato de o credor (réu da ação de consignação) poder levantar o montante depositado não altera a conclusão. Essa possibilidade de levantamento não modifica a natureza da sentença (que continua sendo de improcedência), mas apenas repercute no montante a ser executado, em uma medida que revela economia processual.

Seja como for, tendo em vista que a ação de consignação tem natureza dúplice, a sentença de improcedência vai servir de título executivo (art. 545, § 2º, do CPC) para a cobrança do valor restante (principal mais juros de mora, considerada a diferença, por força do depósito, da remuneração já aplicada pela instituição financeira).

Dispositivos - Súmulas

Código Civil
Art. 336. Para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram, em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento.

Código de Processo Civil
Art. 545. Alegada a insuficiência do depósito, é lícito ao autor completá-lo, em 10 (dez) dias, salvo se corresponder a prestação cujo inadimplemento acarrete a rescisão do contrato.
(...)
§ 2º A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido e valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe o cumprimento nos mesmos autos, após liquidação, se necessária.
 

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Ementa

CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. CONTRATO BANCÁRIO. IMPROCEDÊNCIA. FINALIDADE DE EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO. NECESSIDADE DE DEPÓSITO INTEGRAL DA DÍVIDA E ENCARGOS RESPECTIVOS. MORA OU RECUSA INJUSTIFICADA DO CREDOR. DEMONSTRAÇÃO. OBRIGATORIEDADE. EFEITO LIBERATÓRIO PARCIAL. NÃO CABIMENTO. CÓDIGO CIVIL, ARTS. 334 A 339. CPC DE 1973, ARTS. 890 A 893, 896, 897 E 899. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CPC DE 2015.
1. "A consignação em pagamento visa exonerar o devedor de sua obrigação, mediante o depósito da quantia ou da coisa devida, e só poderá ter força de pagamento se concorrerem 'em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento' (artigo 336 do NCC)". (Quarta Turma, REsp 1.194.264/PR, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, unânime, DJe de 4.3.2011).
2. O depósito de quantia insuficiente para a liquidação integral da dívida não conduz à liberação do devedor, que permanece em mora, ensejando a improcedência da consignatória.
3. Tese para os efeitos dos arts. 927 e 1.036 a 1.041 do CPC: - "Em ação consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois o pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional".
4. Recurso especial a que se nega provimento, no caso concreto.
(REsp 1108058/DF, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/10/2018, DJe 23/10/2018)

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Recurso Repetitivo, Tema 967. Ação de consignação em pagamento. Pagamento parcial. Sentença de improcedência do pedido. Formação de título executivo em nome do réu (credor). STJ, Segunda Seção, REsp 1.108.058.