Tese
Em ação consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois o pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional.
Hipótese Fática
O devedor de um contrato de empréstimo ajuizou, contra uma instituição financeira, ação de consignação em pagamento com vistas a depositar o valor da dívida que possuía com o banco. A sentença prolatada, porém, entendeu que o depósito realizado era inferior ao débito (houve apenas um depósito parcial), o que levava ao julgamento pela improcedência do pedido. O TJ/DF confirmou a sentença de primeiro grau e o caso chegou ao STJ por meio de recurso especial, tendo em vista que o devedor desejava que a sentença proclamasse a procedência parcial do pedido.
Fundamentos
A controvérsia decidida pelo STJ dizia respeito ao tipo de sentença que deve ser proferida na ação de consignação em pagamento quando o depósito efetuado pelo autor (devedor na relação contratual) é considerado insuficiente/parcial: se se trata de sentença pela procedência parcial do pedido ou se o caso é de sentença de improcedência.
O STJ, então, partiu da premissa de que o pagamento apenas extingue a obrigação quando feito integralmente – e quando respeite as exigências de tempo, modo e lugar. O pagamento parcial não extingue a obrigação. E a recusa do credor em receber pagamento que não seja integral é legítima.
A Corte ainda levou em conta que o sistema jurídico brasileiro não admite a chamada mora simultânea. Em outras palavras: o devedor e o credor não podem estar em mora ao mesmo tempo (atraso para pagar ou para aceitar o pagamento). Então, se o pagamento ofertado pelo devedor é parcial, e ele não serve, portanto, para extinguir a obrigação, é o próprio devedor que está em mora (o autor da ação de consignação em pagamento). O credor (réu da ação de consignação) não é obrigado a receber esse pagamento.
Conforme o STJ esclareceu, “como o credor não é obrigado a receber em termos diversos do contratado e como a consignação equivale ao pagamento, a inferência lógica e tecnicamente
correta é que, na consignação em pagamento, o depósito deve ser feito no valor exato que serviria ao pronto pagamento, sob pena de legitimar a recusa do credor e caracterizar a mora do devedor. Pagamento parcial não é pagamento; depósito parcial na consignação não equivale a pagamento; nesses casos, a recusa do credor em receber é inteiramente correta e deve ser prestigiada pelo direito.”
E mais adiante: “é importante ressaltar que, na ação de consignação em pagamento fundada em dúvida quanto ao quantum debeatur, o julgamento de improcedência do pedido faz com que todos os efeitos da mora se produzam em relação ao devedor, inclusive no que diz respeito à parcela consignada. Exatamente nesse sentido, Pontes de Miranda explica que, ‘se o devedor deposita parte e o credor recusa o depósito, não se dá mora do credor, e o devedor fica em mora pelo todo, inclusive quanto à parte depositada.’”
Por isso a conclusão do STJ: se o credor não é obrigado a receber pagamento parcial, e se, havendo recusa legítima, o devedor continua em mora (que incide sobre o todo, e não sobre a parte não depositada), a sentença que reconhece o depósito parcial é uma sentença de improcedência, com o ônus de sucumbência recaindo sobre o autor.
Demais disso, o fato de o credor (réu da ação de consignação) poder levantar o montante depositado não altera a conclusão. Essa possibilidade de levantamento não modifica a natureza da sentença (que continua sendo de improcedência), mas apenas repercute no montante a ser executado, em uma medida que revela economia processual.
Seja como for, tendo em vista que a ação de consignação tem natureza dúplice, a sentença de improcedência vai servir de título executivo (art. 545, § 2º, do CPC) para a cobrança do valor restante (principal mais juros de mora, considerada a diferença, por força do depósito, da remuneração já aplicada pela instituição financeira).
Dispositivos - Súmulas
Código Civil
Art. 336. Para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram, em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento.
Código de Processo Civil
Art. 545. Alegada a insuficiência do depósito, é lícito ao autor completá-lo, em 10 (dez) dias, salvo se corresponder a prestação cujo inadimplemento acarrete a rescisão do contrato.
(...)
§ 2º A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido e valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe o cumprimento nos mesmos autos, após liquidação, se necessária.
Ementa
CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. CONTRATO BANCÁRIO. IMPROCEDÊNCIA. FINALIDADE DE EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO. NECESSIDADE DE DEPÓSITO INTEGRAL DA DÍVIDA E ENCARGOS RESPECTIVOS. MORA OU RECUSA INJUSTIFICADA DO CREDOR. DEMONSTRAÇÃO. OBRIGATORIEDADE. EFEITO LIBERATÓRIO PARCIAL. NÃO CABIMENTO. CÓDIGO CIVIL, ARTS. 334 A 339. CPC DE 1973, ARTS. 890 A 893, 896, 897 E 899. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CPC DE 2015.
1. "A consignação em pagamento visa exonerar o devedor de sua obrigação, mediante o depósito da quantia ou da coisa devida, e só poderá ter força de pagamento se concorrerem 'em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento' (artigo 336 do NCC)". (Quarta Turma, REsp 1.194.264/PR, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, unânime, DJe de 4.3.2011).
2. O depósito de quantia insuficiente para a liquidação integral da dívida não conduz à liberação do devedor, que permanece em mora, ensejando a improcedência da consignatória.
3. Tese para os efeitos dos arts. 927 e 1.036 a 1.041 do CPC: - "Em ação consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois o pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional".
4. Recurso especial a que se nega provimento, no caso concreto.
(REsp 1108058/DF, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/10/2018, DJe 23/10/2018)