Tese
O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
Hipótese fática
A parte autora ajuizou, na Justiça Estadual do Mato Grosso, ação de rescisão contratual contra a empresa ré, com os pedidos de encerramento do contrato de franquia que haviam estabelecido e de danos morais e materiais. Mas o juiz de primeiro grau acolheu a alegação de incompetência da Justiça do MT e remeteu o processo à Justiça Estadual do Rio de Janeiro.
Contra essa decisão de declínio de competência, a parte autora interpôs agravo de instrumento, que, porém, não foi conhecido pelo TJ/MT, ao argumento de que a decisão que versa a respeito da competência não se encontra prevista no rol do art. 1.015 do CPC, dispositivo que traz as hipóteses de cabimento desse recurso.
O caso, então, chegou ao STJ por meio de recurso especial, julgado de acordo com o rito dos recursos repetitivos.
Fundamentos
O recurso especial interposto no caso foi julgado pela própria Corte Especial do STJ, que começou por lembrar a diferença de sistemática dos CPCs de 1973 e de 2015 relativamente ao agravo de instrumento. O CPC de 1973 estabelecia a ampla recorribilidade das decisões interlocutórias; toda e qualquer decisão interlocutória era impugnável por agravo de instrumento.
O CPC de 2015 mudou esse quadro e passou a estabelecer uma lista das decisões interlocutórias contra as quais o agravo de instrumento é cabível.
A questão, porém, era determinar a natureza dessa lista, para o que surgiram três correntes: 1) rol absolutamente taxativo; 2) rol com taxatividade mitigada e 3) rol exemplificativo.
O STJ rejeitou as opções extremas. A Corte disse que não fazia sentido prever uma lista de decisões que podem ser impugnadas por agravo e concluir, ao mesmo tempo, que se trata de lista exemplificativa, porque isso simplesmente voltaria ao regime do CPC/1973, o que o atual legislador seguramente quis afastar. De igual forma, o rol absolutamente taxativo também deveria ser afastado. Embora as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento estejam sim limitadas na lei, há casos que, mesmo não estando previstos literalmente em um dos incisos do art. 1.015, podem ser nele enquadrados, tendo em vista a necessidade de uma recorribilidade imediata.
Daí a conclusão do STJ em atribuir a esse rol do art. 1.015 do CPC a natureza da taxatividade mitigada. A lógica é esta: as decisões que estão previstas no art. 1.015 do CPC admitem o agravo de instrumento. As que não estão aí previstas apenas podem ser impugnadas na apelação (ou nas contrarrazões) interposta contra a sentença a ser proferida.
Mas há algumas decisões que não podem esperar a apelação para serem impugnadas, porque elas trazem questões urgentes, que precisam ser resolvidas de logo. É o caso das decisões que versam sobre a competência: a definição sobre qual juízo é competente para julgar o processo precisa ser feita de imediato, de preferência antes da prolação da sentença, sob pena de se causar um tumulto processual desnecessário.
O STJ, então, enquadrou a decisão que versa sobre competência na hipótese do art. 1.015, I, do CPC, que trata das tutelas provisórias.
Código de Processo Civil
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I - tutelas provisórias;
II – mérito do processo;
III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI - exibição ou posse de documento ou coisa;
VII - exclusão de litisconsorte;
VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;
XII - (VETADO);
XIII - outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
Ementa
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS.
1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal.
2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação".
3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo.
4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos.
5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo.
6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão.
8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência.
9- Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1704520/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/12/2018, DJe 19/12/2018)