Recurso Repetitivo, Temas 869 e 870. Interrupção da prescrição. Processo extinto sem resolução do mérito. STJ, Terceira Seção, REsp 1.091.539.
Por Flávio Borges
17 de janeiro de 2023
Processo civil
Atos processuais
Formação, suspensão e extinção do processo

Tese

Nos termos do artigo 219, caput e § 1º, do CPC e de acordo com a jurisprudência consolidada desta Corte, exceto nas hipóteses dos incisos II e III do artigo 267 do CPC, a citação válida em processo extinto sem julgamento do mérito importa na interrupção do prazo prescricional, que volta a correr com o trânsito em julgado da sentença de extinção do processo. (Tema 869)

A citação válida em processo extinto sem julgamento do mérito importa na interrupção do prazo prescricional, que volta a correr com o trânsito em julgado da sentença de extinção do processo. (Tema 870)

Hipótese fática

O Sindicato dos Servidores Públicos em Educação ingressou com ação de conhecimento, contra o Estado do Amapá, para pleitear por diferenças remuneratórias a que alguns servidores teriam direito. Houve citação válida, mas o processo, depois, foi extinto sem resolução do mérito.

Depois, um dos servidores ajuizou ação individual para pleitear pela mesma diferença remuneratória, o que levou o juízo de primeiro de grau a julgar procedente o pedido, depois de rejeitar a prescrição. O TJ/AP negou provimento ao recurso de apelação interposto contra essa sentença.

O Estado do Amapá, então, ingressou com recurso especial, submetido ao rito dos recursos repetitivos, para levantar (afora outras teses de mérito) a prescrição da pretensão da parte autora, ao argumento de que, interrompida a prescrição pela citação válida do réu, o prazo volta a correr imediatamente.

Fundamentos

A controvérsia decidida pelo STJ dizia respeito à definição do momento a partir do qual a prescrição volta a correr, depois que ela é interrompida pela citação válida do réu – se o prazo volta a correr imediatamente ou apenas depois do trânsito em julgado em que ela foi interrompida. A Corte, então, começou por pontuar que a citação válida interrompe a prescrição, por força do art. 219, § 1º, do CPC (regra reproduzida no art. 240, § 1º, do CPC/2015), interrupção que retroage à data da propositura da ação.

Essa interrupção exige que a citação seja válida; por isso, caso a citação seja nula, a interrupção não ocorre. Tendo havido citação válida, a interrupção da prescrição acontece mesmo que o processo seja extinto sem resolução do mérito, à exceção de duas hipóteses: extinção por negligência das partes e extinção por perempção (quando o processo é extinto por três vezes por abandono do autor, a quarta vez que ele ajuizar o processo será extinto pela perempção).

Nas palavras do STJ, “apenas em raros casos a citação válida não interrompe a prescrição. Um deles é a perempção, fenômeno processual resultante da extinção do processo, por três vezes, por negligência do autor que, não promovendo os atos e diligências que lhe competirem, abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias (art. 267, III, do CPC). O outro ocorre quando ficar o processo parado durante mais de um ano por negligência das partes (art. 267, II, da norma processual).”

Depois, o STJ precisou recorrer ao Código Civil para definir o momento a partir do qual a prescrição volta a correr. De regra, a prescrição volta a correr a partir de quando ela é interrompida. A exceção, porém, fica por conta exatamente da hipótese em que a interrupção se dá pela citação válida, quando o prazo vai ser retomado a partir do último ato do processo em que ela foi interrompida, situação que o STJ interpretou como sendo o trânsito em julgado do feito.

Conforme os esclarecimentos prestados pelo processualista Cândido Rangel Dinamarco, citado em um dos precedentes do STJ que abordaram o tema:

“Detido o curso do prazo prescricional pela citação, ele não recomeça a fluir logo em seguida, como ocorre nos demais casos de interrupção da prescrição. A citação é uma causa interruptiva diferenciada: segundo o art. 202, par. único, do Código Civil, a prescrição interrompida por ela só se reinicia depois do último ato do processo para interromper – ou seja, a prescrição se interrompe no momento indicado pelo art. 219 do Código de Processo Civil e seu curso permanece impedido de fluir durante toda a litispendência (sendo extraordinários os casos de prescrição intercorrente, que só se configuram quando a longa paralisação do processo é fruto exclusivo da desídia do demandante). Tendo fim a litispendência pela extinção do processo, o prazo recomeça - e, como é natural às interrupções de prazo, quando a contagem volta a ser feita desconsidera-se o tempo passado antes da interrupção e começa-se novamente do zero (o dia em que o processo se considerar extinto será o dies a quo no novo prazo prescricional. Obviamente, se o processo terminar com a plena satisfação do direito alegado pelo credor - contrato anulado pela sentença, execução consumada, bem recebido etc. - nenhum prazo se reinicia, simplesmente porque o direito está extinto e nenhuma ação ainda resta por exercer em relação a ele.”

No mais, embora esse precedente tenha sido decidido tendo em vista as regras do CPC de 1973, ele igualmente se aplica ao CPC de 2015, tendo em vista, no ponto, a semelhança entre as regras de ambas essas leis.

Dispositivos

Código de Processo Civil de 1973
Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
§ 1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

Código de Processo Civil de 1973
Art. 240. A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
§ 1º A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação.

Código Civil
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III - por protesto cambial;
IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.

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Ementa

RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PROFESSOR DESVIO DE FUNÇÃO. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. PRECEDENTES. ARTS 6º E 472 DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS NºS 282 E 356/STF. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 458, II, E 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. DIFERENÇAS VENCIMENTAIS DE ACORDO COM O PADRÃO QUE SE ENQUADRARIA O SERVIDOR SE FOSSE OCUPANTE DO CARGO DE PROFESSOR CLASSE B. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
1. Nos termos do artigo 219, caput e § 1º, do CPC e de acordo com a jurisprudência consolidada desta Corte, exceto nas hipóteses dos incisos II e III do artigo 267 do CPC, a citação válida em processo extinto sem julgamento do mérito importa na interrupção do prazo prescricional, que volta a correr com o trânsito em julgado da sentença de extinção do processo. Precedentes.
2. Incidem as Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal na hipótese de ausência de prequestionamento da questão federal suscitada nas razões do recurso especial.
3. Os artigos 458, II, e 535 do Código de Processo Civil não restam malferidos quando o acórdão recorrido utiliza fundamentação suficiente para solucionar a controvérsia, sem incorrer em omissão, contradição ou obscuridade.
4. Nos casos de desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito à promoção para outra classe da carreira, mas apenas às diferenças vencimentais decorrentes do exercício desviado, tem ele direito aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do Estado.
5. Recurso especial de Leonilda Silva de Sousa provido e recurso especial do Estado do Amapá conhecido em parte e improvido.
(REsp n. 1.091.539/AP, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 26/11/2008, DJe de 30/3/2009.)

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