Repercussão Geral, Tema 1002. Honorários advocatícios pagos à Defensoria Pública. Considerações. STF, RE 1.140.005, julgado em 23/06/2023, Informativo 1.100.
Por Flávio Borges
06 de julho de 2023
Processo civil
Honorários advocatícios e despesas processuais
Constitucional
Defensoria Pública

Tese

Tema 1002. 1. É devido o pagamento de honorários sucumbenciais à Defensoria Pública, quando representa parte vencedora em demanda ajuizada contra qualquer ente público, inclusive aquele que integra; 2. O valor recebido a título de honorários sucumbenciais deve ser destinado, exclusivamente, ao aparelhamento das Defensorias Públicas, vedado o seu rateio entre os membros da instituição.

Hipótese fática

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região excluiu a União da condenação em honorários advocatícios em demanda que era movida pelo Defensoria Pública da União.

O julgamento aplicou a Súmula 421 do STJ, de acordo com a qual “Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença.”

O caso, então, chegou no STF pela via do recurso extraordinário, com a alegação de que o entendimento aplicado pelo Tribunal recorrido contraria a autonomia da Defensoria Pública.   

Fundamentos

A controvérsia posta no feito dizia respeito à possibilidade de se condenar o ente público no pagamento de honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública que integra a estrutura administrativa da parte contra a qual litiga. Seria, então, a título de exemplo, a condenação da União a pagar honorários advocatícios à Defensoria Pública da União, a condenação do Estado de Santa Catarina a pagar honorários à Defensoria Pública de Santa Catarina ou a condenação do Estado da Paraíba a pagar honorários à Defensoria Pública da Paraíba.

O STJ baseava o seu entendimento, posto na Súmula 421 (Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença), no instituto da confusão: a obrigação se extingue quando as qualidades de credor e devedor se confundem na mesma pessoa.

O STF, porém, deu outra perspectiva ao tema.

O Tribunal lembrou que, por meio da EC 74/2013, atribuiu-se expressamente à Defensoria Pública da União as garantias institucionais asseguradas às Defensorias dos estados pela EC 45/2004: autonomia funcional, administrativa e orçamentária.

A EC 80/2014, à sua vez, reforçou o caráter permanente da instituição e o seu papel na promoção dos direitos humanos e na defesa dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, dos necessitados.

Essa mesma EC 80/2014 estendeu às Defensorias Públicas as garantias da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional, asseguradas à magistratura, e a competência para propor ao Poder Legislativo alterações na estrutura da instituição.

Não à toa, o art. 168 da Constituição (na redação dada pela EC 45/2004) assegura que “os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos (...)”.

Todo esse conjunto de normas impôs uma outra solução ao tema.

O STF também levou em conta o próprio conteúdo das funções da Defensoria Pública. A atuação institucional desse órgão está diretamente relacionada à defesa jurídica das pessoas necessitadas. Cuida-se, por isso mesmo, do tema do acesso à justiça, que não se pode limitar aos que disponham de recursos financeiros.

Conforme o Tribunal ressaltou:

“Os mais recentes dados consolidados sobre a situação das Defensorias Públicas dos Estados e da União revelam que, apesar dos progressos relacionados ao aumento dos atendimentos realizados, permanecem os problemas relativos à ausência de destinação dos recursos necessários à adequada prestação dos serviços institucionais, o que compromete, em última análise, o acesso igualitário à justiça. Essas informações podem ser verificadas na Pesquisa Nacional da Defensoria Pública de 2022.
Quanto ao aspecto orçamentário, o primeiro ponto a ser destacado é que os recursos do tesouro representam 83,9% dos valores totais, enquanto as demais fontes – que incluem, por exemplo, os fundos próprios de cada instituição –, representam apenas 16,1%. Na Defensoria Pública da União, o orçamento é composto, exclusivamente, por recursos vindos do Tesouro Federal. O estudo destacou, ainda, que a maior parte do orçamento é utilizada para pagamento de despesas com pessoal e itens de custeio, restando pouco ou quase nada para a realização de maiores investimentos institucionais.”  

Daí o desfecho que o STF deu ao tema.

Primeiro, diante da inovação normativa realizada na Constituição, não faz sentido aplicar o instituto da confusão para excluir a condenação em honorários quando a Defensoria litiga contra o ente ao qual pertença.   

Depois, esses recursos oriundos dos honorários não serão usados para remunerar os Defensores Públicos, mas para estruturar o órgão.

Dispositivos

Constituição Federal
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)
§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. (Renumerado do parágrafo único pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal.  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 74, de 2013)
§ 4º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

Repercussão Geral, Tema 1002. Honorários advocatícios pagos à Defensoria Pública. Considerações. STF, RE 1.140.005, julgado em 23/06/2023, Informativo 1.100.