Repercussão Geral, Tema 1102. Revisão da vida toda. Regra de transição e regra permanente. Inconstitucionalidade da regra de transição. STF, RE 1.276.977. Atenção: entendimento superado pela decisão proferida na ADI 2.110.
Por Flávio Borges
22 de março de 2024
Previdenciário
Benefícios

Tese

O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26.11.1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/2019, tem o direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável.

Hipótese fática

O INSS ingressou com recurso extraordinário contra um acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, que garantiu a um segurado da previdência a revisão da aposentadoria por tempo de contribuição, levando-se em conta no cálculo do benefício as contribuições que também foram pagas antes de julho de 1994 (limitação temporal que estava presente no art. 3º da Lei 9.876/99).    

Fundamentos

O STF julgou a chamada revisão da vida toda, tema que envolve o cálculo dos benefícios previdenciários de aposentadoria por tempo de contribuição e de aposentadoria por idade.

A redação original da Lei 8.213/91 (art. 29) previa que o cálculo desses benefícios seria feito de acordo com a “média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36 (trinta e seis), apurados em período não superior a 48 (quarenta e oito) meses.”

Em linguagem direta: pegavam-se as últimas 36 contribuições (no máximo) e fazia-se uma média aritmética (o resultado da soma das contribuições era dividido pelo número de contribuições utilizadas no cálculo) para se chegar ao valor do benefício a ser implantado.  

Mas o legislador mudou essa regra. Com a edição da Lei 9.876/99, o art. 29, I, da Lei 8.213/91 passou a disciplinar o tema desta forma:

Art. 29. O salário-de-benefício consiste: 
I - para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário; (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

Além disso, a Lei 9.876/99 previu no seu art. 3º que:

“Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.”

Então, a partir da Lei 9.876/99, duas regras passaram a vigorar:

- uma regra definitiva (para quem entrou no Regime Geral da Previdência Social – RGPS a partir de 29/11/1999, data da publicação da nova Lei), com o cálculo do benefício levando em conta oitenta por cento de todo o período de contribuições; e

- uma regra de transição (para quem entrou no Regime Geral da Previdência Social – RGPS até 28/11/1999), com o cálculo do benefício levando em conta oitenta por cento do período de contribuições, considerado a partir de julho de 1994.

Na regra definitiva, não havia essa limitação temporal de considerar as contribuições pagas a partir de um certo tempo (no caso, a partir de julho de 1994).

Já na regra de transição, apenas as contribuições pagas a contar de julho de 1994 poderiam ser usadas no cálculo das aposentadorias por tempo de contribuição e por idade.

Essa distinção foi impugnada no STF; esse foi o tema decidido pela Suprema Corte, a chamada revisão da vida toda.

O segurado argumentou que a distinção realizada pelo legislador contrariava o princípio da isonomia, uma vez que, para aqueles filiados ao sistema até 28 de novembro de 1999, a regra colocava uma limitação temporal no cálculo do benefício que não estava presente para os que ingressassem no sistema a partir de 29 de novembro de 1999.

Ao agir dessa forma, o legislador impediu que os segurados que ingressaram até 28/11/1999 (um dia antes da publicação da Lei 9.876/99) tivessem o benefício calculado com base em 80% de todo o período contributivo (sem limitação temporal); a rigor, o legislador impediu que o segurado pudesse atingir um valor superior para o benefício previdenciário.

A maioria do STF acolheu esse fundamento.

Para a Corte, houve afronta ao princípio da isonomia e à legítima expectativa diante do fato de o legislador estabelecer que apenas o período de contribuições a contar de julho de 1994 seria usado no cálculo do benefício. A postura do legislador impediu o segurado de ao menos ter a opção de conseguir um benefício melhor.

Daí a conclusão de que os segurados que entraram no sistema até 28/11/1999 podem optar pela regra do art. 2º da Lei 9.876/99 (que deu nova redação ao 29 da Lei 8.213/91, regra definitiva que não tem a limitação temporal para o cálculo) ou pela regra do art. 3º da Lei 9.876/99 (que tem a limitação temporal para o cálculo), ficando com o que for mais favorável.

Os votos vencidos continham argumentos que precisam ser conhecidos (para uma visão mais completa a respeito do tema). 

Esses votos (vencidos) consideraram não haver qualquer contrariedade ao princípio da isonomia, uma vez que, na regra definitiva, as contribuições anteriores a julho de 1994 não seriam levadas em conta (porque o segurado entrou a partir de 29/11/1999 e simplesmente não há contribuições antigas).

Se não bastasse (mais um argumento dos votos vencidos), o fato de se limitar no tempo as contribuições que serão levadas em conta no cálculo não implica dizer que os valores encontrados serão menores.

Bem o contrário, a história da previdência mostra que, quanto maior for o período considerado no cálculo, maior a chance de o benefício ter um valor menor.

Na prática, os segurados tendem a possuir salários menores no início da vida produtiva, com aumentos na remuneração à medida que o tempo passa. Por isso, o cálculo que leva em conta todo o leque de contribuições tende a encontrar um valor de benefício menor do que aquele que faz uma limitação no tempo e leva em conta apenas contribuições mais recentes.

Não à toa, esses votos vencidos acentuaram que apenas uma parcela bem pequena dos segurados terá direito à revisão da vida toda, até porque os valores que serão utilizados no novo cálculo abrangerão as contribuições anteriores a julho de 1994, período bastante instável da economia brasileira (época em que os salários não recebiam uma reposição inflacionária correta).

De todo modo, o direito à revisão fica restrito aos segurados que demonstrem de forma conjunta os seguintes requisitos:

- terem ingressado no Regime Geral da Previdência Social até 28/11/1999;

- terem recolhido contribuições antes de julho de 1994;

- estarem enquadrados em situação na qual o número correspondente à média aritmética simples dos maiores salários de contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, seja menor que a média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo (sem a limitação temporal).       

O quadro, entretanto, mudou. E convém, já por aqui - nesse comentário ao RE 1.276.977 -, promover a devida atualização do assunto, tendo em vista a  nova decisão que o STF emitiu, agora na ADI 2.110, um processo que tramitva no Tribunal há quase 25 anos.  

O STF declarou a constitucionalidade do já mencionado art. 3º da Lei 9.876/99. Na prática, como visto, com a introdução dessa norma, passou a haver uma regra de transição (que exclui dos cálculos dos benefícios as contribuições anteriores a julho de 1994) e uma regra definitiva (que não faz a mencionada exclusão); o STF garantiu àqueles sujeitos à regra de transição que optassem pela regra definitiva, de acordo com o que lhe fosse mais vantajoso. 

Essa possibilidade acabou com a decisão tomada na ADI 2.110. Há duas regras: a de transição ou a permenente, não sendo possível criar uma terceira regra pela vontade do segurado. 

Daí a fixação do novo entendimento, de acordo com o qual a regra do art. 3º da Lei 9.876/99 é de aplicação cogente.   

Dispositivos

Lei 8.213/91
Art. 29. O salário-de-benefício consiste: (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
I - para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário; (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

Lei 9.876/99
Art. 3º Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.

Repercussão Geral, Tema 1102. Revisão da vida toda. Regra de transição e regra permanente. Inconstitucionalidade da regra de transição. STF, RE 1.276.977. Atenção: entendimento superado pela decisão proferida na ADI 2.110.