Repetitivo, Tema 1023. Termo inicial da prescrição relativa à pretensão que visa obter dano moral fundado na exposição do servidor público ao DDT (dicloro-difenil-tricloroetano). STJ, Primeira Seção, REsp 1.809.204.
Por Flávio Borges
16 de janeiro de 2023
Administrativo
Agentes públicos
Prescrição e decadência

Tese

Nas ações de indenização por danos morais, em razão de sofrimento ou angústia experimentados pelos agentes de combate a endemias decorrentes da exposição desprotegida e sem orientação ao dicloro-difenil-tricloroetano - DDT, o termo inicial do prazo prescricional é o momento em que o servidor tem ciência dos malefícios que podem surgir da exposição, não devendo ser adotado como marco inicial a vigência da Lei 11.936/09, cujo texto não apresentou justificativa para a proibição da substância nem descreveu eventuais malefícios causados pela exposição ao produto químico.

Hipótese fática

Um servidor público federal ajuizou ação contra a União e a Fundação Nacional de Saúde, com a pretensão de receber indenização por danos morais em razão do contato continuado com a substância DDT. A sentença de primeiro, porém, julgou improcedente o pedido, ao argumento de que o simples potencial danoso da substância não permite a condenação automática em danos morais. A parte autora apelou, mas o TRF1 negou provimento ao recurso, sob fundamento diverso. A Corte Federal entendeu por aplicar a prescrição de cinco anos (quinquenal), que foi contada a partir da vigência da Lei 11.936/2009, proibitiva da comercialização e do uso do DDT. Não satisfeita, a parte demandante interpôs recurso especial (julgado pela Primeira Seção do STJ, de acordo com o rito dos recursos repetitivos), levantando a tese de que a prescrição deveria ser contada a partir do momento em que o servidor teve ciência dos malefícios que podem ser causados pelo DDT.

Fundamentos

A controvérsia definida pelo STJ dizia respeito ao termo inicial da prescrição para se pedir indenização por danos morais motivados pela exposição do servidor público à substância DDT. O caso, portanto, não apontava uma contaminação ou uma enfermidade concretamente produzida na parte autora, mas se limitava a pedir a reparação financeira pela simples exposição a essa substância.

Foi essa premissa que levou o TRF1 a concluir que o termo inicial da prescrição, nessa hipótese, seria a própria Lei 11.396/2009 (que proibiu o uso do DDT) – na medida em que o autor pedia dano moral pela simples exposição à substância.

Ao enfrentar o recurso, o STJ começou por pontuar o entendimento de que, cuidando-se de hipótese em que se aponta um dano concreto (contaminação e/ou enfermidade), a prescrição só tem início com a ciência efetiva do dano (raciocínio que reflete o princípio da actio nata, segundo o qual a prescrição apenas se inicia quando for possível ao titular do direito reclamar contra a situação antijurídica).

Seja como for, o STJ transportou esse raciocínio para o caso julgado, hipótese em que não havia um dano concretamente estabelecido, de modo que a parte pretendia obter indenização por danos morais simplesmente por ter tido contato com o DDT. Daí a conclusão da Corte no sentido de que a prescrição tem início no momento em que o autor da ação teve ciência inequívoca dos malefícios que podem ser provocados por sua exposição desprotegida ao DDT.

Esse evento, porém, não ocorreu com a simples publicação da Lei 11.396/2009, que, embora tenha proibido o uso e a comercialização do DDT, não descreveu os malefícios que a substância poderia gerar.

Por isso, para o STJ, “independentemente da vigência da Lei 11.936/09, a prescrição somente começa a fluir no momento em que o autor tem ciência inequívoca dos malefícios que podem ser causados pelo uso ou manuseio do DDT sem a devida proteção e orientação, seja ele anterior ou posterior à publicação da Lei 11.936/09.”

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Ementa

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA REPETITIVO Nº 1023. SERVIDOR PÚBLICO. PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR SUPOSTA OFENSA AOS ARTS. 10 E 487, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/2015. ANÁLISE. INVIABILIDADE. PRECLUSÃO E AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS Nº 282 E 356 DO STF. VIOLAÇÃO AO ART. 1º DO DECRETO Nº 20.910/32. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AGENTE DE COMBATE A ENDEMIAS. ANGÚSTIA E SOFRIMENTO DECORRENTES DA EXPOSIÇÃO DESPROTEGIDA E SEM A DEVIDA ORIENTAÇÃO AO DICLORO-DIFENIL-TRICLOROETANO - DDD. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO. FUNDADO TEMOR DE PREJUÍZOS À SAÚDE DO AGENTE. TERMO INICIAL. CIÊNCIA DOS MALEFÍCIOS QUE PODEM SURGIR DA EXPOSIÇÃO DESPROTEGIDA À SUBSTÂNCIA QUÍMICA. TEORIA DA ACTIO NATA. VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.936/09. PROIBIÇÃO DO DDT EM TODO TERRITÓRIO NACIONAL. IRRELEVÂNCIA PARA A DEFINIÇÃO DO TERMO INICIAL. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO PARA DETERMINAR NOVO JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO.
Preliminar de nulidade do acórdão recorrido 1. Quanto à preliminar de nulidade do acórdão recorrido, por suposta ofensa dos arts. 10 e 487, parágrafo único, do CPC/2015, verifica-se que referida nulidade não foi oportunamente alegada nos embargos de declaração opostos pelo recorrente junto ao Tribunal de origem, os quais trataram apenas da prescrição. Vale dizer, o recorrente não levantou a nulidade na primeira oportunidade após a ocorrência do vício, restando configurada a preclusão da matéria, nos termos do art. 278 do CPC/2015. Ademais, por não ter sido alegada perante a Corte Regional, a matéria também não foi apreciada pelo Tribunal de origem, atraindo a incidência, por analogia, das Súmulas nº 282 e 356 do STF.
Delimitação da controvérsia 2. O recorrente ajuizou a presente ação de indenização por danos morais em razão de angústia e sofrimento decorrente de sua exposição prolongada a diversos produtos químicos, dentre eles o dicloro-difenil-tricloroetano (DDT), utilizados no desempenho das funções de agente de combate a endemias na extinta Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM) e, posteriormente, na Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), sem o adequado treinamento para manuseio e aplicação das substâncias, bem como sem o fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI). Sustenta que possui fundado temor de que referida exposição possa causar danos a sua saúde ou mesmo de sua família, ante os malefícios provocados pelas substâncias químicas às quais esteve exposto, especialmente o dicloro-difenil-tricloroetano (DDT).
3. A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o termo inicial da prescrição para as ações de indenização por dano moral é o momento da efetiva ciência do dano em toda sua extensão, em obediência ao princípio da actio nata, uma vez que não se pode esperar que alguém ajuíze ação para reparação de dano antes dele ter ciência.
4. O dano moral alegado, consistente no sofrimento e na angústia experimentados pelo recorrente, apenas nasceu no momento em que o autor teve ciência inequívoca dos malefícios que podem ser provocados por sua exposição desprotegida ao DDT.
5. A Lei nº 11.936/09 não traz qualquer justificativa para a proibição do uso do DDT em todo o território nacional, e nem descreve eventuais malefícios causados pela exposição à referida substância. Logo, não há como presumir, como equivocadamente firmado pelo Tribunal de origem, que a partir da vigência da Lei nº 11.936/09 os agentes de combate a endemias que foram expostos ao DDT tiveram ciência inequívoca dos malefícios que poderiam ser causados pelo seu uso ou manuseio.
Fixação da tese 6. Nas ações de indenização por danos morais, em razão de sofrimento ou angústia experimentados pelos agentes de combate a endemias decorrentes da exposição desprotegida e sem orientação ao dicloro-difenil-tricloroetano - DDT, o termo inicial do prazo prescricional é o momento em que o servidor tem ciência dos malefícios que podem surgir da exposição, não devendo ser adotado como marco inicial a vigência da Lei nº 11.936/09, cujo texto não apresentou justificativa para a proibição da substância e nem descreveu eventuais malefícios causados pela exposição ao produto químico. DO JULGAMENTO DO CASO CONCRETO 7. O Tribunal de origem reconheceu a prescrição da pretensão indenizatória, aduzindo que o termo inicial do prazo prescricional para as ações em que se busca indenização pela exposição ao DDT seria o dia 14/5/2009, data de início de vigência da Lei nº 11.936/09, que proibiu o uso da substância em todo o território nacional. Aduziu que, excepcionalmente, poderia ser fixada data posterior se demonstrado, ab initio litis, que o autor obteve ciência inequívoca do fato causador do dano em momento posterior à vigência de referida lei.
8. Nota-se que o entendimento do Tribunal Regional está em confronto com a tese firmada no presente tema, devendo ser fixado como termo inicial o momento em que o servidor, ora recorrente, teve ciência dos malefícios que podem surgir de sua exposição desprotegida e sem orientação ao dicloro-difenil-tricloroetano - DDT, sendo irrelevante a data de vigência da Lei nº 11.936/09.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para determinar a reapreciação do recurso de apelação, afastando-se a data de vigência da Lei nº 11.936/09 como marco inicial do prazo prescricional.
(REsp n. 1.809.204/DF, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 10/2/2021, DJe de 24/2/2021.)

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Repetitivo, Tema 1023. Termo inicial da prescrição relativa à pretensão que visa obter dano moral fundado na exposição do servidor público ao DDT (dicloro-difenil-tricloroetano). STJ, Primeira Seção, REsp 1.809.204.